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Ações do Ibope alimentam desigualdade no país, conclui estudo da Unicamp

Instituto de pesquisas produz e difunde informações privilegiadas para a construção de um território voltado às exigências do mercado, afirma geógrafa

© Unicamp

São Paulo, ponto de partida para a elaboração e difusão das estratégias do Ibope, com interesses definidos em favor do mercado

São Paulo – A rede de informações refinadas sobre o espaço, a sociedade e o mercado, montada pelo Ibope,  está a serviço de setores hegemônicos do capital. E desse modo, o instituto perpetua e aprofunda as desigualdades regionais do país. Esta é a conclusão da geógrafa Gabriela da Costa Gomes, do Instituto de Geociências da Unicamp, que pesquisou a atuação do grupo na produção e difusão de informações e seus impactos sobre o território brasileiro.

O estudo sobre a empresa, considerada a maior no ramo da pesquisa de mercado e inteligência organizacional da América Latina, evidencia que a sua atuação no território nacional reafirma as desigualdades regionais do país.

O Ibope possui 17 escritórios distribuídos em regiões estratégicas do país, além de atuação nos Estados Unidos e em mais 13 países da América Latina: México, Guatemala, Costa Rica, Panamá, Porto Rico, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai.

De acordo com Gabriela, o Ibope estabelece uma rede de fluxos informacionais por grande parte do território brasileiro, tendo na capital paulista o seu centro de comando. É a partir desse centro que emanam as informações, determinando, deste modo, “as regiões que informam e as regiões que serão informadas neste processo.” Trata-se, segundo a pesquisadora da Unicamp, de uma informação-mercadoria, que passa a ser vendida dada a sua importância para as grandes corporações no mundo contemporâneo.

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Gabriela de Costa Gomes Silva estudou por dois anos a atuação do Ibope

“Trata-se também de uma informação-segredo, sigilosa. Quem está de posse dessa informação estratégica, sai na frente daqueles que não estão. E é justamente por meio desse centro de comando, que é São Paulo, que o Ibope distribui essas informações por redes de escritórios-filiais, instalados, não por acaso, nas grandes metrópoles do país”, explica.

Deste modo, acrescenta, o Ibope estrutura uma rede de informações refinadas sobre o espaço, a sociedade e o mercado, que são emitidas em ordem verticalizada, servindo aos agentes hegemônicos. “Trabalha, assim, na construção de um território voltado às exigências do capital, perpetuando e aprofundando as disparidades urbano-regionais”, constata Gabriela Gomes Silva.

“Essa estrutura organizacional, ao edificar densos fluxos informacionais à gestão do capital no território, perpetua, portanto, a divisão regional do trabalho e as feições da rede urbana contemporânea. Isso se torna um entrave para projetos urbanos alternativos que buscam amenizar os abismos sócio- espaciais que imperam no Brasil”, afirma.

A autora do estudo aponta que o instituto se aproveita da rede de infraestrutura existente no país para alocar os seus recursos e estabelecer seus escritórios-filiais. A sede em São Paulo mostra que a cidade tem um papel importantíssimo na rede urbana brasileira. “São Paulo, como diz Milton Santos, é uma metrópole onipresente. Assim, toda a rede telemática, toda a infraestrutura técnica, científica e informacional da cidade é aproveitada pela empresa. São Paulo possui os maiores centros de pesquisa do país, tem vasta oferta de mão de obra especializada. Portanto, pela lógica capitalista, a sede da empresa não poderia estar em outro local”, explica.

Os escritórios regionais estão situados em grandes metrópoles e centros urbanos, regiões por meio dos quais essas informações estratégicas se espalham. Em sua pesquisa, Gabriela Gomes Silva comparou a distribuição dos escritórios do Ibope Inteligência com um estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) intitulado Gestão do Território, 2014.

O levantamento sobre a gestão do território brasileiro do IBGE indica uma centralidade dos serviços avançados de apoio às empresas, nos quais São Paulo e Rio de Janeiro concentram uma variação de 96% a 97,78% da oferta desses serviços. Curitiba e Recife vêm atrás, com uma concentração que varia de 82% a 96%.

“Há, portanto, conforme o IBGE, uma concentração incontestável das atividades de serviços avançados de apoio às empresas no Sudeste, e isso torna claro o porquê do Ibope Inteligência concentrar seus escritórios nesse eixo, já que ao redor deles estão disponíveis todos os serviços necessários a uma empresa típica do quaternário”, compara.

Essa grandes cidades contam com profissionais qualificados e rede de infraestrutura técnica e centros de pesquisa e inteligência, essas grandes cidades têm uma vantagem clara em relação a outras para oferecer o suporte necessário a grandes corporações. Mantém-se, assim, a rapidez no seu tráfego de informações, garantindo a celeridade necessária às atividades de produção e difusão da informação corporativa.

“Essa estrutura organizacional, ao edificar densos fluxos informacionais à gestão do capital no território, perpetua, portanto, a divisão regional do trabalho e as feições da rede urbana contemporânea. Isso se torna um entrave para projetos urbanos alternativos que buscam amenizar os abismos sócio- espaciais que imperam no Brasil”, afirma.

O Ibope foi criado em 1942 pelo radialista Auricélio Penteado. Sinônimo de audiência e prestígio, tem grande importância no cenário nacional a ponto de constar no dicionário como verbete.

A partir da sua criação, o Ibope teve uma ascensão muito rápida, o que retrata o aumento dessa demanda pela informação-mercadoria no país. Em 2013, o grupo figurou no ranking norte-americano Honomichl Top 25 Global Research Organizations, como a única empresa latino-americana entre as 25 maiores organizações globais de pesquisa.

O grupo está estruturado em Ibope Media, Ibope Inteligência, Ibope Ambiental e Ibope E-Commerce, estas duas últimas unidades criadas a partir de 2012. A empresa possui parcerias estratégicas com os dois maiores grupos de pesquisa de mercado do mundo, a norte-americana Nielsen Company e a britânica Kantar.

O Ibope é a décima multinacional brasileira mais transnacionalizada e a terceira a ter um faturamento total de até R$ 1 bilhão, possuindo cerca de 3.500 colaboradores diretos e indiretos, sendo 1.800 empregados no Brasil e os outros 1.500 na América Latina.

“É uma empresa que possui características típicas das firmas do chamado setor quaternário, mobilizando uma grande quantidade de conhecimento e estabelecendo uma rede complexa de produção e distribuição da informação, imprescindível ao grande capital”, relaciona a especialista.