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Há 150 anos nas rodas do país e na alma brasileira, o choro agora é patrimônio cultural

Decisão unânime do Iphan ressalta “primeira manifestação genuinamente brasileira, da alma profunda”

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Waldir Azevedo, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Chiquinha Gonzaga: o choro tem uma infinidade de grandes compositores e intérpretes

São Paulo – Brasileiríssimo e cheio de misturas, o choro agora é o 53º Patrimônio Cultural Imaterial do país. O pedido foi aprovado na última quinta-feira (28), em decisão unânime do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Anterior ao samba, o gênero, nas suas origens, guarda mais de 150 anos de história e uma galeria de mestres compositores e intérpretes.

Em 1870, o flautista Joaquim Callado, conhecido como “pai dos chorões” e autor de Flor Amorosa, criou o grupo Choro Carioca. Assim, quando Pixinguinha torna-se sinônimo de choro (ou chorinho, como alguns também chamam), o gênero já estava consolidado. Com discussões em torno do nome: seria pelo ritmo dolente da interpretação ou até de uma mistura entre o verbo “chorar” e a palavra chorus (“coro”), em latim. Bebeu também na fonte do lundu, ritmo africano marcado pela percussão.

O pedido havia sido apresentado pelo Clube do Choro de Brasília (que há três meses recebeu a visita do beatle Paul McCartney), pelo Instituto Casa do Choro do Rio de Janeiro e pelo Clube do Choro de Santos. E por chorões e choronas de todo o país, com abaixo-assinados. O patrimônio imaterial refere-se “aos saberes culturais passados de geração a geração, importantes para a criação de uma identidade cultural na sociedade”.

Genuinamente brasileiro

“Significa que é um bem que dá orgulho, que representa a nação. É a primeira manifestação genuinamente brasileira anterior ao samba e que faz o nosso perfil, da alma profunda. Reúne influências da Europa, da África, cada região uma riqueza. Tudo isso se mistura e se transforma nesse ritmo”, afirmou o músico Henrique Lima, conhecido como Reco do Bandolim, um dos fundadores do Clube do Choro de Brasília, um dos redutos musicais do país, fundado em 1977.

Presidente do Iphan e do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, Leandro Grass afirma que o choro, presente em todo o país, ganha novo espaço. “Passa a ser objeto da Política do Patrimônio Cultural brasileiro. Nosso compromisso agora é torná-lo ainda mais conhecido e amado, para que possa também ser um instrumento de Educação Patrimonial.” Confira aqui o dossiê técnico apresentado no pedido.

Chorando pelo Brasil

Quando se fala em choro, é impossível não lembrar de nomes como o já citado Pixinguinha, a pioneira Chiquinha Gonzaga, o fenômeno Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Abel Ferreira, Ademilde Fonseca, Luperce Miranda. E uma infinidade de músicos, regionais e grupos (Izaías e seus Chorões, Nó em Pingo D´Água, Época de Ouro, entre muitos outros), que ainda hoje se reúnem em saraus e rodas, chorando pelo Brasil.

Há mais de 100 anos, em 1822, Os Oito Batutas (Pixinguinha, Donga e companhia) fazem a primeira turnê internacional de um grupo popular. O saxofonista Paulo Moura “recriaria” os Batutas décadas depois. No início deste século, um plebiscito escolheu Carinhoso como segunda composição mais bonita do país, atrás de Aquarela do Brasil (Ary Barroso).

Um dos hinos nacionais, Brasileirinho, foi gravado pelo autor, Waldir Azevedo, em 1949. Filho de chorão (César Faria, do conjunto Época de Ouro), Paulinho da Viola lançou em 1976 o LP Memórias-Chorando. E a composição Meu Caro Amigo, de Chico Buarque e Francis Hime, é um choro legítimo. Altamiro e Abel Ferreira participaram da gravação do LP, assim como o bandolinista Joel.

Para Villa-Lobos, ele mesmo autor de composições no gênero, a alma brasileira estava no choro. No poema Olhe aqui, Mr. Buster, Vinícius de Moraes perguntava ao milionário americano:

O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?