Distopia e retrocesso

Senado deve votar projeto que abre caminho para comercialização de sangue humano

Projeto altera a Constituição e permite que o setor privado explore o plasma do sangue humano para fins comerciais. Entidades da sociedade civil se posicionam contra a iniciativa. Entenda

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"A permissão de incentivos financeiros ou de compensações na coleta de sangue ou plasma desestruturaria a política nacional de sangue"

São Paulo – A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal pode votar amanhã (4) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2022. A proposta de autoria majoritária do centrão e de setores da direita pode abrir caminho para a comercialização de sangue humano. Na prática, o texto permite que a iniciativa privada utilize a coleta e o processamento de plasma sanguíneo com fins comerciais.

O projeto é alvo de críticas de diferentes setores da sociedade. O Conselho Nacional de Saúde (CNS), por exemplo, divulgou hoje posicionamento contrário à proposta. “Plasma e sangue não podem ser mercadorias. A doação voluntária de sangue no Brasil garante, além de rigorosa segurança para as transfusões, acesso igualitário para pacientes do SUS e da rede privada”, afirma.

De fato, o monopólio estatal desse tipo de procedimento de saúde garante que ricos e pobres tenham acesso a tratamentos de forma igualitária. O plasma, por exemplo, é muito utilizado em pacientes que passam por procedimentos como quimioterapias que afetam a produção de plaquetas. “A permissão de incentivos financeiros ou de compensações na coleta de sangue ou plasma desestruturaria a política nacional de sangue”, prossegue o Conselho.

“Hoje, o Brasil é uma referência mundial nessa área pela qualidade e capacidade de atender todas as pessoas. A comercialização do plasma pode trazer de volta o cenário vivido na década de 1980, quando pessoas mais pobres vendiam sangue por valores irrisórios e com controles precários em relação à contaminação de doenças como HIV e hepatite”, finaliza a entidade.

O sangue humano

A Frente pela Vida, que reúne diversas entidades da sociedade civil ligadas à Saúde, também manifestou preocupação sobre o tema. Eles apontam a incompatibilidade da matéria com a própria Constituição. “Ao autorizar a comercialização de sangue humano, abrem uma janela à comercialização de tecidos humanos, algo proibido na Constituição Cidadã de 1988. Em um tempo passado e sombrio, a crise econômica, desemprego e fome, fazia com que pessoas em absoluto estado de pobreza, vendessem o sangue para aplacar a miséria econômica, reforçando uma outra miséria, a humana.”

A PEC altera o parágrafo 4 do artigo 199 da Constituição. Hoje, o texto legal garante que órgãos, tecidos ou qualquer componente do corpo humano não serão alvos de comércio. Assim afirma o texto: “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

Contudo, a PEC altera este dispositivo. Caso aprovada, a proposta acrescentaria um parágrafo quinto, com texto positivado da seguinte forma: “A lei disporá sobre as condições e os requisitos para coleta e processamento de plasma humano pela iniciativa pública e privada para fins de desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos destinados a prover o sistema único de saúde”.