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Não era carnaval. Eram blocos

Milhares de pessoas tomam a Avenida Paulista, em São Paulo, e defendem pacificamente suas bandeiras de luta antes de ações truculentas

Enquanto havia quebra no centro, na Paulista clima era calmo <span>(Mídia Ninja/CC)</span>Grupos lembram massacre do Carandiru e queimam bandeira <span>(Gisele Brito/RBA)</span>Enquanto havia quebra no centro, na Paulista clima era calmo <span>(Mídia Ninja/CC)</span>Banca de jornal não fechou durante manifestação <span>(Gisele Brito/RBA)</span>Apesar da mistura de reivindicações, tarifa centraliza ato <span>(Gisele Brito/RBA)</span>Enquanto havia quebra no centro, na Paulista clima era calmo <span>(Mídia Ninja. CC)</span>Projeção de bandeira no prédio da Fiesp atraiu patriotas e inconformados <span>(Gisele Brito/RBA)</span>

São Paulo – Os boatos de que a Tropa de Choque da Polícia Militar estava subindo a Rua Augusta, em São Paulo, pipocavam em algumas rodas de manifestantes presentes na Avenida Paulista para o ato realizado ontem (18) contra o aumento da passagem do transporte público. Mas não chegou a assustar ninguém. O clima era outro. Nem de paz nem de guerra. No começo da noite, mais de 5 mil pessoas que vinham da região do Parque Dom Pedro, no centro de São Paulo, se uniram às milhares de outras que já estavam na avenida que se tornou o ponto de honra durante os atos realizados desde o último dia 6. Desde a Avenida Consolação até pelo menos a rua Brigadeiro Luís Antonio, a Avenida Paulista estava tomada de gente.

O grupo guiado por importantes porta-vozes do Movimento Passe Livre (MPL) saiu da concentração na Praça da Sé e rumou, como planejado, para o Terminal Parque Dom Pedro II, palco do primeiro grande choque entre polícia e manifestantes no começo do mês. O grupo foi engrossado por outro e, unidos, tinham o objetivo de ir para a Marginal do Pinheiros, segundo os organizadores. Mas a notícia que havia uma “repressão” a outra frente do ato, em frente à prefeitura, próximo ao Viaduto do Chá, acompanhada por outra equipe da RBA, mudou os planos.

Depois de uma consulta, a maioria decidiu ir até a sede do Executivo municipal. Matheus Preis, negociador recorrente do MPL junto à Polícia Militar, informou a decisão aos três policiais que o acompanharam durante todo o ato, sem ser questionado ou desmotivado.

A marcha seguiu. O MPL insiste em uma pauta única: a redução da tarifa de R$3,20 para R$ 3, valor cobrado desde janeiro de 2011 até o início deste mês. Para conter a proliferação de pautas que surgiram na manifestação desde segunda-feira, quando mais de 100 mil pessoas percorreram várias vias importantes da cidade, a Fanfarra M.A.L., banda alinhada ao MPL, sem repressão nem reprimendas, parava de tocar seus tambores e tamborins sempre que algum grito com outro foco surgia e tomava corpo na multidão e logo, os integrantes do MPL, maioria nesse bloco, puxam um grito do tipo “Vem! Vem! Vem pra rua, vem contra o aumento!”. “É uma forma de segurar e mostrar que nossa reivindicação é uma só”, disse um dos instrumentistas, que não quis se identificar. “Eu faço parte do todo”, afirmou.

Ao se aproximar da Praça do Patriarca, Preis tomou a frente do grupo delimitado por uma grande faixa, abriu caminho e passou com seu bloco pelos manifestantes que estavam parados diante da prefeitura. Minutos antes, houve uma tentativa de indivíduos passarem pela segurança e entrarem no prédio usando a força, o que desencadeou uma série de casos de vandalismo pela região central.

A decisão do rumo foi tomada pelos meninos de frente do MPL antes de a marcha cruzar a Praça República – a ideia era seguir para a ligação Leste-Oeste. Rapidamente, “orelhudos” começaram a tentar convencer que aquela não era a melhor solução. A notícia de que a Paulista estava tomada já havia chegado.

“Todo ato agora quer ir pra Paulista. Nem cabe tanta gente lá”, disse Preis para uma mulher que insistia no destino. “Cabe sim, na Parada Gay cabem 6 milhões”, disse o Major Góis. Ao ser questionado pela reportagem se ele apoiava o rumo, ele se limitou a responder que não sabia de nada. “Eles é que têm que decidir.”

O MPL não aceitou a sugestão e tentou direcionar o ato para a ligação leste-oeste, mas a massa se recusou e o “Vamos pra Paulista” ganhou.

Ao se juntar com os ativistas que já estavam na avenida, a fanfarra não conseguiu mais garantir silêncio nos gritos de, por exemplo, “Da copa, da copa eu abro mão. Quero mais saúde e mais educação”. A multidão gritava o que queria. Era uma só e diversas.

A tomada da Paulista, de maneira pacífica, sem interferência da polícia, colocou os manifestantes em delírio. Muitos dançavam e fotografavam em poses a conquista. As cores predominantes eram o verde e amarelo das roupas e rostos pintadas. A presidenta Dilma Rousseff, o governador Geraldo Alckmin, o prefeito Fernando Haddad e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foram poupados. Nem Feliciano, nem Sarney, nem Renan Calheiros, nem a PEC 37, nem a Cura Gay. Quase nada foi esquecido. Nem mesmo os 20 centavos.

“Acho que a gente tem que manter o foco. Depois que conseguir a redução lutaremos por uma educação melhor”, disse Cynthia Araujo, de 26 anos, que se diz “independente”, sem ligação com partidos ou movimentos, com um dos poucos cartazes que tratavam sobre o assunto de maneira direta.

“Eu acho que a causa é justa. Entra governo, sai governo e é a mesma coisa. Eu estou cansado de ver político com dinheiro na cueca e eu com o bolso vazio”, criticou Leandro José, vendedor de milhos e pamonhas. Ele disse ter tentado comercializar os produtos na última quinta-feira (13), dia em que a avenida foi fechada pela presença ostensiva da Polícia Militar, que tentou evitar a qualquer custo a presença de manifestantes. “Mas eles estavam jogando pimenta nos olhos de todo mundo e eu fui embora”, afirmou. “Hoje eu estava ouvindo rádio, disseram que estava tranquilo e eu vim”, contou.

Leandro não foi o único que resolveu acreditar na passividade do ato. Valdecir Pereira manteve a banca de jornais Bruno aberta. “Desde que não deprede o patrimônio público e privado eu concordo”, disse. Segundo ele, o esquema de segurança foi o mesmo montado para qualquer outra grande “festa” na avenida.

Não era carnaval

O clima de festa revoltou muita gente que, desde segunda-feira (17), afirma que o movimento foi “cooptado pela direita e forças conservadoras” que se vestem de verde e amarelo, colocam nariz de palhaço e cantam o hino nacional. A nossa reportagem presenciou o canto pátrio ser entoado na Avenida Paulista 1.313, em frente à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que projetou na fachada de seu prédio a bandeira nacional.

Minutos depois, o prédio foi ponto de parada para um grupo, aos gritos de “essa bandeira mata índio”, entre outros nessa linha. Eles contaram ter se juntado espontaneamente no meio da multidão por não concordar com a “palhaçada” que ele havia se tornado. “O que aconteceu com a Parada Gay em anos, aconteceu aqui em dois dias”, disse um dos manifestantes, com o rosto encoberto, que não quis se identificar, mas garantiu que é estudante de história da Universidade de São Paulo e morador da periferia. “Eles dizem que não é carnaval nos cartazes, mas é. Se eles acordaram agora é pelo barulho que a gente sempre fez”, diz outro, que se intitulou Punk do ABC.  O grupo entoava cantos relacionados à matança nas periferias e contra o patriotismo.

Um dos manifestantes chegou a pegar bandeira de outro que ia na pista paralela da Paulista e a queimou, o que iniciou uma briga que quase terminou em violência física.

Assista um vídeo sobre um momento de tensão entre manifestantes na Paulista:

 

“Eles têm direito de manifestar o que eles quiserem. E eu também”, disse Eduardo Dantas, de 27 anos.

Ao explicar ao grupo que havia perdido a bandeira, os motivos apresentados pelo outro grupo de que “patriotismo em um país que mata negros e índios não era correto”, Victor Iglesias, estudante de sonoplastia argumentou: “Mas é para isso que estamos aqui, não é? Para mudar o país”.

Confusa, deixei a Paulista e minutos depois o grupo que provocou o quebra-quebra no centro chegou. Paredes e vidraças foram quebradas. Um totem da Coca-cola foi queimado. A polícia usou bombas de gás e pessoas foram presas. Outro grupo, foi até o prédio onde mora o prefeito Fernando Haddad (PT), no Paraíso. Segundo informações, não houve violência.

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