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Justiça Federal condena dois por submeter estrangeiros à escravidão em oficina de costura em São Paulo

Estabelecimento na zona leste paulistana tinha pelo menos 13 empregados, peruanos e bolivianos. Sem registro, com jornadas extensas e exposição a riscos

MPT
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Submissão de estrangeiros à escravidão é prática comum em oficinas de costura

São Paulo – Duas pessoas foram condenadas pela Justiça Federal de São Paulo por manter estrangeiros em condições análogas à escravidão em uma oficina de costura. As penas foram de três e de sete anos de reclusão, além de multa, com base no artigo 149 do Código Penal, que tipifica a modalidade. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), no caso da proprietária de duas marcas de roupas (Anchor e Tova), que terceirizava a produção, a sentença da juíza substituta Andréia Moruzzi prevê substituição da prisão por prestação de serviços comunitários e pagamento do equivalente a 20 salários mínimos – pelo valor atual, R$ 24.240.

Já o dono da oficina, condenado a sete anos, deverá cumprir pena inicialmente em regime semiaberto. O estabelecimento fica no bairro Jardim de Lorenzo, zona leste paulistana, na região da Penha. Ambos poderão recorrer em liberdade. A sentença foi proferida pela 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Essa prática é relativamente corriqueira em oficinas de costura.

Impunidade prevalece, e Brasil mantém trabalho em condições de escravidão

Submissão e aliciamento

“A pena considera não só a submissão dos trabalhadores a condições degradantes, mas também o aliciamento das vítimas, que o microempresário recrutava principalmente no Peru, seu país de origem”, diz o MPF, autor da denúncia. “O emprego de dois adolescentes na produção das peças também elevou as sanções aplicadas a ambos os réus”, acrescenta.

De acordo com a denúncia feita pela procuradora Ana Carolina Previtalli Nascimento, no mesmo local trabalhavam e moravam pelo menos 13 pessoas, entre peruanos e bolivianos. As jornadas começavam às 7h e podiam ser estender até as 22h, apenas com pausas para refeições. “As vítimas ficavam permanentemente expostas a riscos, uma vez que o imóvel tinha instalações elétricas precárias, botijões de gás instalados em ambiente fechado e máquinas de costura sem proteção das polias que pudesse evitar acidentes.”

Sem registro e com “dívidas”

Nenhum dos trabalhadores era registrado. E ainda tinham descontadas dos salários despesas com aluguel e alimentação, entre outras. Assim, havia a chamada servidão por dívida. “Os adolescentes, um casal recrutado na cidade peruana de Juliaca, relataram ter sido impedidos de sair da oficina enquanto não pagassem ao proprietário R$ 1,4 mil gastos para trazê-los ao Brasil. Durante os quase nove meses em que trabalharam no local, ambos receberam apenas cerca de R$ 6 mil, ao todo.”

Para a juíza, a falta de interesse da proprietária das marcas em saber as condições demonstra “cegueira deliberada”. Ela considerou “claríssima” a responsabilidade das empresas envolvidas pelo trabalho exercido em condições de escravidão. “(Empresas) que lucravam contratando mão de obra extremamente barata, não se importando minimamente com as condições de emprego daqueles que lhe prestavam serviços. O único interesse era a potencialização do lucro.”