Ataque a indígenas

‘Invasão zero’ é milícia e PM da Bahia é ‘cúmplice’, afirma irmão de Nega Pataxó, assassinada na Bahia

Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, foi assassinada durante ataque do grupo “Invasão Zero”, que vem avançando no campo em ações com homens armados e sem aval da Justiça

Alass Derivas/@derivajornalismo
Alass Derivas/@derivajornalismo
Sobrevivente de ataque ruralista, Nailton concedeu entrevista exclusiva no hospital onde se recupera de um ferimento a bala

São Paulo – O Cacique Nailton Muniz Pataxó afirmou que sua irmã, Maria de Fátima Muniz, morreu baleada para protegê-lo do tiro de um integrante de milícia rural. O assassinato da indígena, conhecida como Nega Pataxó, ocorreu no dia 21 de janeiro, em um ataque de ruralistas no território Caramuru-Catarina Paraguassu, em Potiraguá (BA), organizados em torno do grupo “Invasão Zero”.

Hospitalizado em recuperação de um ferimento a bala, Nailton contou em entrevista exclusiva para o Brasil de Fato que ele seria alvo do primeiro disparo. “Nega atravessou na minha frente e aí já foi baleada. Aí eu fui para pegar ela para não deixar ela cair. E aí eu fui baleado também. Aí caímos juntos, segurando um no outro”, relatou.

A perícia comprovou que o tiro fatal partiu da arma do filho de um fazendeiro, de 19 anos, que foi detido no local. Um policial militar aposentado armado também foi preso em meio ao conflito. “E eu preocupado e pedindo ao comandante (da PM) que ele tinha condições de evitar que acontecesse um massacre”, detalhou o cacique.

Emocionado, Nailton descreveu também os últimos momentos de Nega Pataxó, enquanto estavam a caminho do hospital. “Minha irmã sentada junto de mim, com a mão na barriga, falou ‘meu fogo está curto. não estou conseguindo respirar. Eu sei que eu não vou resistir’. Foram as últimas palavras que ela deu”, compartilhou Nailton, na cama do hospital.

‘Invasão Zero é milícia e PM é cúmplice’

Segundo Nailton, fazendeiros ligados ao movimento “Invasão Zero” participaram do ataque e agiram como “milícia”. O crime expôs o modo de atuação do grupo criado em 2023 por fazendeiros da Bahia e que atualmente congrega cerca de 5 mil participantes e inspirou grupos semelhantes em ao menos outros nove estados. Os fazendeiros se organizam em grupos virtuais para desfazer ocupações de terra sem o aval da Justiça, mas apoiados por associações empresariais, do agronegócio e políticos.

“A maior parte dos integrantes do Invasão Zero são milicianos. Tinha polícia sem farda participando de tudo. Então está claro que é a polícia que está fazendo o trabalho de pistolagem para defender interesses particulares de fazendeiros no campo”, denunciou Nailton Pataxó.

De acordo com o cacique, policiais militares também invadiram casas de indígenas nos dias anteriores e roubaram celulares. O objetivo, segundo ele, seria evitar que as vítimas do ataque ruralista, que teria sido planejado com antecedência, registrassem imagens da violência. A autoria do ataque, que também deixou indígenas feridos, é confirmada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). O autointitulado grupo “Invasão Zero” vem sendo agora investigado pela Polícia Civil por suspeita de ser uma milícia rural.

Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou nesta semana que o movimento ruralista vem crescendo e atualmente possui representantes em 200 cidades, concentradas em 16 núcleos regionais. Ao menos dez ações para impedir o que eles chamam de invasão de fazenda já foram realizadas pelos fazendeiros para tomar áreas ocupadas por famílias de sem-terra e indígenas. Na maioria dos casos, as essas ações foram feitas por conta própria, sem o respaldo de uma decisão de liminar de reintegração de posse emitida pela Justiça, e com homens armados.

Outro lado

Fundador e líder do “Invasão Zero”, Luiz Uaquim disse que o grupo está à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários. À reportagem Uaquim alegou que não compactua com qualquer tipo de violência. “É uma acusação (feita pelo cacique Nailton) séria, especialmente vinda após uma invasão feita com homens armados, encapuzados. Desta maneira, entendemos a dor da perda da família, mas o momento é de ponderação e aguardar as investigações em curso”, declarou.

A respeito das declarações do cacique Nailton, a SSP-BA disse ao Brasil de Fato que determinou à Polícia Civil prioridade na investigação da ocorrência na região Sudoeste da Bahia. “A SSP-BA lembra ainda que dois homens foram presos em flagrante e autuados por homicídio e tentativa de homicídio. Armas e munições foram apreendidas”, declarou.

Reportagem de Alass Derivas e Murilo Pajolla, da Brasil de Fato