Dignidade

Fundação Palmares revoga ato de Bolsonaro que dificultava regularização de quilombolas

Restabelecimento de regras decretadas por Lula em 2007 deverá destravar titulação de cerca de 2,5 mil comunidades espalhadas pelo país

© Marcello Casal Jr/Agência Brasil
© Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Agenda da luta dos quilombolas parcialmente atendida pela revogação de portaria de Bolsonaro contra comunidades

São Paulo – A Fundação Cultural Palmares revogou medidas baixadas pelo governo de Jair Bolsonaro que dificultavam o reconhecimento de comunidades quilombolas. A portaria, publicada nesta quinta-feira (6) no Diário Oficial da União, restabelece normas editadas em 2007 para a instituição do Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos.

“Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicos raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com formas de resistência à opressão histórica sofrida”, diz a portaria assinada pelo presidente da Fundação Palmares, João Jorge Rodrigues.

De acordo com o texto, também foi instituído um grupo de trabalho para elaborar um novo ato normativo para o Cadastro Geral de Remanescente dos Quilombos e estabelecer os procedimentos para expedição da Certidão de Autodefinição pela Palmares. O grupo terá duração máxima de 90 dias e pode ser prorrogado uma vez.

O presidente da Fundação Palmares, João Jorge Rodrigues (Foto: TV Brasil/Reprodução)

Entraves

Em 2007, o então governo Lula estipulou e simplificou as regras para o reconhecimento das comunidades quilombolas. Entre elas, por exemplo, era necessária a apresentação de ata de reunião em que o grupo se autodefinia como remanescente de quilombolas. Também se exigiam dados, documentos e um relato “sintético” que atestassem a história do grupo.

Em abril do ano passado, o ex-presidente Bolsonaro estabeleceu novas exigências para reconhecer comunidades como remanescentes de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. O processo tornou-se mais burocrático, prejudicando a titulação de cerca de 2,5 mil comunidades espalhadas pelos praticamente todos os estados do país. Apenas Acre e Roraima, além do Distrito Federal, ainda não possuem registros da existência desses grupos.

Passou a ser solicitado, por exemplo, um relato detalhado da trajetória do grupo, com dados, documentos ou estudos realizados. Era preciso, ainda, que a comunidade tocasse o processo por e-mail, quando antes todos os documentos poderiam ser remetido pelos Correios. A exigência praticamente impediu o acesso à certidão, já que a maioria das comunidades quilombolas não têm internet.

Lutas quilombolas

A revogação das medidas impostas pelo governo anterior deverá destravar milhares de pedidos de regularização das comunidades, que têm na certificação emitida pela Palmares, a etapa inicial de reconhecimento para posterior titulação das áreas. A medida também constava no relatório da equipe de transição do governo do Lula.

“A portaria revogada foi uma das demandas do movimento com relação ao atual governo, já para os primeiros 100 dias de gestão. Foi um ganho político do movimento, da luta quilombola”, destacou Biko Rodrigues, coordenador-executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

“É algo que indica que há sinais claros de que poderemos avançar. A gente já vinha cobrando o Estado que revogasse essa portaria. Ela estava dificultando o reconhecimento e a certificação dos territórios quilombolas”, completou o ativista.

Longa jornada

Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em um estudo de 2019, existiam 5.972 localidades quilombolas no Brasil. A pesquisa foi feita a partir da base territorial do Censo 2022 e de dados do Censo 2010.

Desse total, cerca de 3,5 mil já estão certificadas pela Palmares, mas apenas 206 estão tituladas. A etapa final de regularização, que termina justamente na titulação e posse definitiva das terras, é conduzida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em processos de desapropriação semelhantes aos de reforma agrária.

Com Agência Brasil, g1 e CartaCapital