resistência e resiliência

Ailton Krenak: ‘A gente não acabou. Pelo contrário, expressamos a nossa potência em diferentes lugares da vida brasileira’

Para o primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras, o fato de seus parentes, juntos, representarem menos de 2% da população não significa fraqueza. “Essa minoria gritante grita. Inclusive na política, na cultura, na educação”

Reprodução/Youtube
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Para Ailton Krenak, os povos indígenas são como as águas dos rios que não secam, mas que mergulham, resilientes, para dentro da terra

São Paulo – O novo imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ailton Krenak, eleito ontem (5), voltou a celebrar a resistência dos povos indígenas. Para o filósofo, escritor e ativista, representar menos de 2% da população brasileira não significa fraqueza. Pelo contrário. Essa “minoria gritante, que grita”, é muito corajosa. “Somos menos de 2% e muita gente acha que toda essa amostra cultural acabou. A gente não acabou. Pelo contrário, nós temos expressado a nossa potência em nos fazer presentes em diferentes lugares da vida brasileira, seja na política, na cultura, na educação”, disse Krenak nesta sexta (6), em entrevista à GloboNews.

Segundo ele, um dos grandes ativistas da causa indígena, a diversidade linguística expressada por mais de 205 etnias no Brasil é também um tesouro, uma riqueza. “As línguas do mundo são um tesouro universal. Se a gente conseguir ressaltar essa diversidade linguística, os poucos indígenas estarão muito mais presentes, trazendo uma representação simbólica em uma instituição, uma academia, um Ministério. Então a gente vai fazendo o que aprendemos (sic), como a água. E quando fizerem muito bullying na gente, a gente mergulha”, disse, comparando as comunidades indígenas às águas dos rios da Amazônia.

Na concepção de Krenak, os rios amazônicos, atualmente com redução drástica em seu volume de água, não estariam secando. Mas mergulhando para o interior da terra para fugir do bullying que sofrem da humanidade. “Nós somos natureza. Se estraga a natureza, estragamos a nós mesmos. Vamos imaginar que o nosso organismo e o da terra são o mesmo. Nós somos a capilaridade da sensibilidade do ecossistema, do planeta”, disse o autor dos pensamentos que compõem diversos livros seus, entre eles, Futuro Ancestral. “A gente pode até estragar a qualidade da água das nossas bacias hidrográficas; pode estragar porque elas estão na superfície. Mas têm sabedoria e capacidade resiliente, que é mergulhar”.

Povos indígenas são refugiados em suas próprias terras

O intelectual voltou a criticar a história colonial, intrínseca à do próprio Brasil, ao comparar a situação dos povos indígenas, que ele chama de “campo de refugiados estáveis”. Nessa perspectiva, seus parentes estão sendo assistidos com cestas básicas e remédios quando faltam a caça e a pesca em suas terras.

“Essa situação já ocorreu no Nordeste. Já vimos a população do sertão, abandonada à seca, sendo abastecido por caminhões-pipa. Então, nesse sentido, a transposição do São Francisco só se justificava moralmente, porque ia levar água a lugares onde as pessoas estavam refugiadas em situação de miséria, sem autonomia. Tinham de estar sendo assistidas, como se fossem ligadas em um soro para continuar vivas.”

Essa situação dramática, lembrou, ocorre atualmente em todo o mundo. “Em navios nas costas da Europa, refugiados esperam para saber se vão morrer nos navios ou se vão poder descer à terra. Quando falo desses campos de refugiados estáveis, crítico (essa raiz) colonial que o Brasil se imprime, que não consegue mudar o trato com as comunidades indígenas. Os problemas da terra se arrastam e colocam (os indígenas) na condição de refugiados dentro de seu próprio país.”

A eleição de Ailton Krenak para a academia criada há 126 anos foi comemorada por intelectuais, ativistas, parlamentares e personalidades. Confira algumas das manifestações: