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Adolescentes denunciam abuso sexual em unidade socioeducativa do Rio

Casos ocorreram contra meninas de 13 a 19 anos na Ilha do Governador. Duas adolescentes ficaram grávidas após serem violentadas

Reprodução
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Depoimento de uma interna antiga também revelou que os abusos sexuais já eram presentes na unidade há anos

São Paulo – Adolescentes internas do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), no Rio Janeiro, denunciaram sofrer abuso sexual e assédio por agentes da unidade. As meninas, com idade entre 13 e 19 anos, estavam cumprindo medida socioeducativa no Centro de Socioeducação Professor Antônio Carlos Gomes da Costa, localizado na Ilha do Governador, zona norte. Duas das adolescentes ficaram grávidas após term sido vítimas de abuso sexual. 

Em depoimento à Corregedoria do Degase, pelo menos dois agentes foram citados como os autores da violência sexual. De acordo com reportagem do portal G1, eles seriam Edilson Mendes de Araújo e Alisson Barreto, denunciados por abusos, assédios e investidas contra as adolescentes. 

Por decisão da Justiça, as internas vítimas dos abusos foram transferidas para outra unidade socioeducativa. O Centro na Ilha do Governador, no entanto, é o único local em todo o estado do Rio destinado ao cumprimento de medidas socioeducativas para pessoas do sexo feminino. A juíza Lúcia Mothé Glioche determinou, contudo, que uma nova unidade seja adaptada às internas. A magistrada também pediu o afastamento de outros três servidores e do diretor do centro socioeducativo, Leonardo Lúcio de Souza. 

A suspeita da Justiça do Rio é que esses agentes sabiam dos atos abusivos cometidos por Edilson e Alisson, mas se omitiram. Educadora do Escrevivendo a Liberdade, projeto social realizado na unidade, Vanusa de Melo, contou à repórter Júlia Pereira, da Rádio Brasil Atual, ter recebido com surpresa a denúncia, apesar dos casos frequentes de abuso e violência no chamado sistema socioeducativo. Segundo ela, a gestão da unidade se mostrava preocupada com as práticas pedagógicas, as questões de saúde e com a integridade física das adolescentes. 

Violência de gênero

Para a educadora, porém, as medidas determinadas pela juíza não são suficientes para impedir novos casos de abuso. “Se essa mentalidade não desconstruída, se não houver uma educação também voltada para os agentes, servidores, profissionais que atuam no chão da socioeducação, isso vai voltar a acontecer”, analisou. Vanusa também contestou a transferência das adolescentes. “É uma medida paliativa para resolver os transtornos do momento. O local onde elas estão agora não tem uma escola que permita a estrutura da unidade feminina”, advertiu. 

A Defensoria Pública do Rio tenta na Justiça a extinção das medidas socioeducativas de pelo menos sete adolescentes que foram vítimas. A própria decisão da juíza traz também o depoimento de uma interna antiga que denunciou que os abusos sexuais já eram presentes na unidade, mas que não tiveram repercussão na época. Na análise do coordenador adjunto do Departamento de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Hamilton Gonçalves Ferraz, um dos fatores que dificultam a denúncia dos abusos sofridos pelas adolescentes é a prevalência de homens entre os funcionários da unidade. Atualmente, o centro de socioeducação, que tem 19 internas, conta com 31 agentes. Entre eles, 24 homens e apenas sete mulheres. 

“Unidades essas que, por definição, nem mesmo foram projetadas levando em conta as especificidades do sexo feminino. As violências sofridas em decorrência do gênero são muito graves. Isso implica em ser objetificada pela prática de todo tipo de violências sexuais e morais. São violências toleradas e acobertadas por agentes homens e pela instituição”, critica Ferraz. 

O coordenador também alerta que os casos de abuso no sistema socioeducativo do Rio podem se repetir em outras localidades caso não seja feita uma mudança no funcionamento das unidades. 

Confira a reportagem