Opinião

‘Fantástico’ alimenta descrédito na política, mas não toca em reforma

Programa da Globo faz reportagem que parece ser contra a corrupção, mas presta desserviço à cidadania ao fugir do debate da reforma política

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Com uma imagem negativa do Congresso Nacional, reportagem cria ideia de que todos são ‘farinha do mesmo saco’

O programa “Fantástico”, da TV Globo, no último domindo (8) fez uma reportagem que, na superfície, parece ser contra a corrupção na política, mas, no conteúdo, presta um desserviço à cidadania ao fugir da raiz do problema: a reforma política.

A reportagem, em tom sensacionalista, entrevista dois supostos assessores parlamentares, mas que ficam anônimos, na penumbra. Um até usa chapéu, sem mostrar o rosto e com voz sintetizada para não ser reconhecida. É legítimo no jornalismo fontes não se identificarem por receio de retaliação, mas para que se justifique o método é necessário que tragam fatos que possam ser apurados. Pelo menos alguma pista que ajude ou até obrigue órgãos de controle, como o Ministério Público, a agirem. E isso não ocorreu na matéria.

Os assessores misteriosos apontaram um monte de mazelas políticas mais do que conhecidas, lugares comuns em milhares de casos de polícia e processos, como “a compra do voto no dia da eleição sai a R$50”, “existem várias formas de desviar dinheiro público”, mas sem especificar nada concreto, sem dar nenhuma pista que possa ser investigada.

A reportagem ainda coloca um personagem fictício, na forma de deputado, para representar “todos os corruptos”, extraído de um livro do juiz Marlon Reis, e inclui frases repugnantes como “político não tem remorso, político tem conta bancária.” Isso com a imagem do Congresso Nacional ilustrando a matéria, criando na mente do telespectador a ideia de que todos seriam “farinha do mesmo saco.” Não separa o joio do trigo. Este tipo de mensagem desestimula o voto de opinião, pela desesperança, prejudicando a eleição dos honestos e favorecendo quem conquista mandatos pelo poder econômico, inclusive pela compra de votos, explícita ou dissimulada.

O programa cita dois casos de desvio de verbas conhecidos. Um na cidade de São Pedro da Água Branca, no Maranhão, que levou à condenação de um ex-prefeito do PTB (o Fantástico omitiu a informação sobre o partido). Outro caso sobre asfalto na cidade de Blumenau, em Santa Catarina, onde a revista televisiva omitiu, além do partido, até o nome do prefeito.

Pois trata-se do ex-prefeito João Paulo Kleinübing, cujo governo foi do DEM, e hoje está filiado ao PSD. Denunciado pelo Ministério Público de Santa Catarina, a gestão de Kleinübing foi alvo da Operação Tapete Negro que, segundo os promotores, revelou um esquema de superfaturamento em obras, principalmente de asfalto, que teria gerado um prejuízo de R$ 100 milhões aos cofres da cidade. O Fantástico também omitiu que Kleinübing, mesmo depois de deixar a prefeitura com estes fatos sob investigação, foi nomeado presidente do Badesc (Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.), de onde só saiu para se candidatar a deputado federal.

A matéria falou do elevado custo das campanhas eleitorais e citou doações de empreiteiras, mas omitiu completamente o debate sobre proibir tais doações. Nem tocou no assunto de que há projetos neste sentido da bancada que deseja moralizar as eleições em tramitação no próprio Congresso Nacional, demonizado genericamente na reportagem.

Também não citou que o Supremo Tribunal Federal deu a maioria de votos pela inconstitucionalidade das doações de empresas, em ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A sociedade civil organizada que luta por essa causa, cobra que o ministro devolva o processo para destravar o julgamento. Já houve até um tuitaço com a expressão #DevolveGilmar.

O Fantástico conseguiu a façanha de entrevistar o juiz eleitoral Marlon Reis e omitir que ele trabalha para reunir 1,6 milhão de assinaturas (1% do eleitorado) para apresentar projeto de iniciativa popular de reforma política, com propostas como a proibição do financiamento empresarial de campanha e eleições legislativas em dois turnos.

A reportagem contribuiu em nada para o principal debate sobre o tema da corrupção. Sem mudar o sistema eleitoral, por meio de uma reforma política que favoreça a eleição de pessoas com espírito público e não com rabo preso à empresas que financiam campanhas, reportagens como a mostrada serão repetidas eternamente.