Dito e feito

Meu mal-estar: por que alguns processos correm e outros não?

Como leigo, mas sem ser estúpido, concluo que a óbvia diferença no tratamento da Justiça, conforme o 'lado', serve para tirar um deles do jogo, para que o outro jogue sozinho

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Não sou especialista em nada, embora esteja mais bem informado sobre algumas questões do que sobre outras. Ainda me surpreendo com algumas informações sobre direito, por exemplo, embora possa dizer que aprendi muito sobre o que rola nesse campo, de tanto ler artigos e ensaios em jornais e revistas e em sites e depois de uma boa carga horária assistindo a julgamentos do Supremo. É possível formar-se em muitos cursos de Direito com uma carga horária bem menor…

Leio colunas sobre economia há 50 anos, li alguns livros da área e numerosas resenhas que os jornais publicam. Acho que consigo distinguir, nas mesas redondas a que assisto, ou nos projetos cujos resumos leio em jornais, quem está de um lado e quem está de outro, bem como algumas consequências que advirão se uma ou outra das teses defendidas for aprovada (por exemplo, em relação à Previdência).

Considero-me um razoável leitor, seja pela quantidade, seja pela qualidade de material impresso que já tracei. Assim, por exemplo, embora não conheça detalhes dos códigos civil e penal, posso formar um juízo sobre determinado processo, desde que acredite minimamente na competência dos acusadores e dos defensores que atuam nele, já que, provavelmente, expõem o essencial de suas posições nos artigos e declarações.

Repito: não sou especialista nesses campos, e mesmo naquele em que poderia invocar esta condição, sei que as lacunas são cada dia mais visíveis. Este pano de fundo é responsável por alguns casos de mal estar (a lista seria imensa). Por exemplo, no que se refere ao tratamento diferenciado dado a pessoas diferentes em situações bem comparáveis. Alguns exemplos:

uma foto de Lula e família no Guarujá funcionou como indício poderoso para sustentar que aquele tríplex é de sua propriedade. Não tem o peso de uma escritura, mas o indício teve força no julgamento do caso (“o que ele e D. Marisa estavam fazendo lá?”, pergunta Gebran, e todos parecem se convencer de que foi apresentada uma prova irrefutável…).

Bolsonaro foi fotografado num barco (não em uma loja do produto, mas na água do mar, e em uma região de pesca proibida). Não se vê o então deputado colocando isca no anzol, nem tirando um peixe da água, mas tudo indica, diria Descartes, que estava lá pescando e não molhando o equipamento para depois vendê-lo a algum tarado por água salgada. No entanto, a alegação de que segurar uma vara não implica necessariamente que se esteja pescando funcionou como argumento para o perdão da multa (até agora);

a falta de documentos que provem que Lula é dono do sítio de Atibaia não basta para concluir que ele não é seu dono, já que o frequentava muito, “mais do que os próprios donos”. Mas extratos bancários de outras pessoas, que militam em outro espectro político, não são considerados “provas” e não têm levado a Justiça a acelerar os procedimentos;

Lula nunca se recusou a depor; mesmo assim, numa certa manhã, seu apartamento foi invadido e revirado (na presença da TV amiga, como se fosse um episódio de Big Brother!!), e ele foi conduzido coercitivamente à Polícia Federal. Pelos antecedentes, a conclusão mais óbvia seria que, convidado ou intimado, ele compareceria. Mas Queiroz ainda não compareceu diante da polícia e da Justiça (nem ela foi até ele), e nada de medidas coercitivas (não falemos aqui de Aécio, Temer et caterva);

Isso significa que eu acho que Lula é inocente e que não deve ter sua vida e suas contas devassadas? Não! Como leigo, mas não sendo totalmente estúpido ou cegamente partidário, concluo que há óbvia diferença no tratamento dado a ele e a outros “agentes” políticos ou econômicos. A celeridade dos processos e sua publicidade claramente enviesada sugerem fortemente que a Justiça, ou parte dela, atribuiu-se a tarefa de tirar Lula do jogo.

A sentença de Moro, com suas 14 falácias, como mostrou o professor Mance (nenhum “colunista” comentou; minha avaliação é que o silêncio se deve ao reconhecimento de que a sentença está cheia de furos) leva o leigo ao espanto. Principalmente se ele sabe (e pode ficar sabendo todos os dias pelo noticiário) que muitos outros processos foram anulados por “falta de provas” (!!) ou por erros processuais análogos ao cometido por Moro quando divulgou conversas que a lei não permitia.

Nesses dias, ouvem-se murmúrios de que o Congresso ensaia investigações sobre a Justiça (CPIs, talvez). Os magistrados tremem e reagem, até porque sabem que os alvos das investigações serão preferencialmente alguns deles, escolhidos a dedo. Mas ainda não sabem quais, porque a clima ainda é bem turbulento.

Eles sabem que o objetivo não é “melhorar” a Justiça, mas “adequar” quadros do sistema e, provavelmente (acho que é bem razoável concluir isso, juntando pedaços de declarações), abrir caminhos mais rapidamente para a nomeação de novos ministros do Supremo.