Tensão (midiática) entre Argentina e Reino Unido pelas Ilhas Malvinas

O embate envolveu até o Brasil e os Estados Unidos (Foto: Divulgação/ Wikipedia) A relação entre a Argentina e o Reino Unido voltou a ficar tensa por causa do controle […]

O embate envolveu até o Brasil e os Estados Unidos (Foto: Divulgação/ Wikipedia)

A relação entre a Argentina e o Reino Unido voltou a ficar tensa por causa do controle das Ilhas Malvinas (Falkland Islands, para os ingleses). O embate envolveu até o Brasil e os Estados Unidos, produzindo um amplo debate midiático, principalmente em Buenos Aires. O reinício da discussão, já no período de normalização democrática, deu-se no governo de Néstor Kirchner, com a declaração de que o controle argentino das ilhas seria uma questão inexorável, refletindo uma política de governo. A postura foi mantida por sua esposa e sucessora, Cristina Fernández Kirchner que, mesmo afastada para recuperação da cirurgia na tireóide – outro assunto polêmico envolvendo o mundo midiático – estimulou o enfrentamento com o Reino Unido.

O assunto foi reaceso e se prolonga por semanas por causa da decisão do governo inglês de realizar manobras militares nas ilhas, inclusive com a presença do príncipe William, filho de Charles e Diana, herdeiro do trono, que deverá desembarcar em 2 de abril no local. Ele participará de treinamento no comando militar.

A reação da Casa Rosada foi a de qualificar a decisão como “militarista”. Em contrapartida e para investir mais na polêmica, o governo inglês qualificou a posição da argentina de “colonialista”, referindo-se à população da ilha que, em 1982, manifestou-se contrariamente a um controle argentino. Mesmo assim, a expressão adotada por um antigo império colonial provocou ironias por parte da mídia de esquerda argentina contra os ingleses, considerados os mais colonialistas de todos os países do planeta.

Pela direita, os jornais que mantêm oposição conservadora ao governo de Cristina, ainda em guerra por causa da lei dos meios de comunicação (Ley de Medios), ironizaram tanto o governo argentino como o do primeiro-ministro britânico, David Cameron (embora a decisão territorial seja de Estado, prerrogativa da rainha), qualificando o debate como uma forma de desviar a atenção para problemas externos, uma manobra característica de governos em dificuldades políticas.

Nessa linha, o assunto remete aos tempos da ditadura militar. O regime autoritário argentino era comandado pelo general Leopoldo Fortunato Galtieri, quando o exército do país ocupou as ilhas em abril de 1982. As tropas foram expulsas pela frota inglesa em junho daquele ano, deixando 694 jovens soldados argentinos mortos, o que apressou o fim da ditadura.

O governo argentino retira subsídios da água, luz e transporte público, o que provoca aumento do custo de vida, inflação e protestos, somados ao desgaste da cirurgia na tireoide a partir de um diagnóstico falso-positivo de câncer – situação que ocorre em 2% dos casos, mas o tratamento indicado costuma ser a retirada da glândula, segundo os médicos que tratam a presidenta. O Reino Unido, por sua vez, enfrenta a crise bancária europeia e tem uma enorme taxa de desemprego (8,3% em dezembro de 2011, a mais alta desde 1996).

Independentemente desses cenários, o que motiva mesmo o protesto argentino são as manobras militares, consideradas provocativas. Alguns articulistas relacionaram a questão à produção de petróleo e gás natural, relembrando e adaptando a frase de campanha de Bill Clinton em 1992 para “É o petróleo, estúpido”. O ex-presidente norte americano referiu-se ao impacto da economia no processo eleitoral daquele ano, consagrando uma máxima repetida e parodiada com frequência desde então.

De pronto, o Brasil alinhou-se à Argentina. A declaração do chanceler brasileiro, Antonio Patriota, em defesa da soberania argentina e o direito do país sul-americano sobre as ilhas foi comemorada. A posição do governo Dilma Rousseff mantém a de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, expressa na “Carta do Rio”, de 2010.

O texto em questão reconhece o direito argentino tanto às Malvinas, como a ilhas Sandwich do Sul e Geórgia do Sul. Já Barack Obama subiu de novo no muro, nem a favor nem contra a ambos os lados e pediu negociações entre os dois países. Para não perder tempo, a chancelaria argentina reafirmou seu compromisso de negociar, o que nesta etapa do conflito midiático, a palavra negociar serve apenas para clarear que a Argentina não pensa em usar qualquer ação militar, mas a mídia vaza a ideia de uma ocupação da ilha por pescadores, numa versão de Ocupa Malvinas.

A Argentina reclama a posse das Ilhas Malvinas desde o início do século XIX, quando da expulsão dos espanhóis e da independência. Localizadas no Atlântico Sul na ponta mais sul da Patagônia e Terra do Fogo, as Malvinas foram descobertas em 1520 por um espanhol e mudaram de controle ao ritmo dos enfrentamentos entre os colonizadores europeus até que no início do século XIX, ingleses e espanhóis dividiram o controle do arquipélago. Quando da expulsão dos espanhóis, o governo Argentino assume seu controle por 13 anos, entre 1820 e 1833, mas não consegue resistir ao poder militar dos ingleses, situação que prevalece até hoje. Sua população atual é de cerca de cinco mil ilhéus (os kelpers, cidadãos de segunda categoria na versão argentina) e militares. Sua economia é de pesca, agricultura, pastoril, petróleo e gás natural.

Independente do que vai acontecer até abril, o governo argentino sai ganhando no confronto, pauta os movimentos sociais, as facções peronistas, as mães da Plaza de Mayo, dá um perfil kirchenista ao momento político, estimula ainda mais o entusiasmo latino-americano de sua juventude e coloca o país alinhado com a nova ordem mundial de soberania na América Latina.