Por José Pedro dos Reis, Procurador do Trabalho – O Novo Testamento marca a revogação, por Jesus, das leis e práticas discriminatórias e desumanas do Velho Testamento: “Eu vim para que tenham vida! E vida em abundância!” (João, 10).

Entretanto, esse ensinamento (a Boa Nova) é ignorado em sua essência nas pregações feitas por muitos “religiosos” que seguem orientados por diretrizes confusas, interesseiras e irracionais, fazendo com que seus seguidores acabem por apoiar ações políticas discriminatórias e preconceituosas. É um encaminhamento que desinforma e divide a sociedade, constrangendo os Cristãos que seguem a mensagem do Filho de Deus.

Os abusos e “pecados” cometidos com base no Velho Testamento foram inteiramente redimidos na paixão, “cravados” na cruz (Colossenses 2:14). Após o sacrifício de Jesus, o Legislador Constituinte Originário, pela Nova Aliança, tomou seu lugar (Hebreus 8:6-13; 9:15-17). A Lei do Antigo Testamento foi superada. Instaurou-se, legitimamente, uma Nova Constituição. Um renovado pacto do Divino com o Humano.

A lembrança da superação do Velho pelo Novo Testamento, numa metáfora constitucional, sociológica, democrática e jurídica, permite, pelos olhos de hoje, identificar o Velho Testamento com interpretações enviesadas, extremistas, sexistas, preconceituosas segundo princípios que podem remeter ao Nazismo e ao Fascismo. A mensagem de Jesus, no Novo Testamento, poderia ser comparada a uma nova Constituição, Divina e Humana, que enfatiza o amor, a tolerância e a felicidade. Trata-se de uma perspectiva acolhedora e solidária, com direitos para todas as pessoas, independentemente da classe social, raça, credo, cor, origem, orientação sexual etc. A mensagem enaltece o ideal da igualdade e respeito à dignidade humana, titularizada por todos. O ideal, não por acaso, aparece desde o preâmbulo da Constituição de 1988, promulgada “sob a proteção de Deus”, com o objetivo fundamental de construir uma sociedade justa, igual e solidária.

A linguagem do Velho Testamento é impregnada de relatos da violência entre os povos: governantes sanguinários e vingativos; preconceito contra as mulheres, as crianças e as pessoas que não faziam parte do “povo escolhido”.

Proliferam exemplos de machismo e misoginia nas acusações desferidas contra as mulheres. O pecado e o mal são atribuídas a Eva, passando por Dalila, traidora de Sanção, a Rainha de Sabá, que teria afastado Salomão de Deus, e Batseba, mãe de Salomão, que teria induzido Davi a eliminar seu marido para com ele casar.

No Novo Testamento, a nova “Constituição” Cristã, há fartura de mensagens que enaltecem o amor, o acolhimento das diferenças, a paz, a mansidão, a solidariedade e a igualdade entre as pessoas. A mulher é simbolicamente valorizada, assim com os negros (o primeiro a ser batizado, aceitando a nova Ordem, depois da morte de Jesus, foi um etíope), os doentes, os pequeninos, os deficientes e os pecadores.

Um bom exemplo é a narrativa do encontro de Jesus com uma Samaritana. Um ato de redenção contra os preconceitos marcados pela origem: “Nisto veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber” (João. 4.7). “Então lhe disse a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim que sou mulher samaritana…” (João. 4.9).

Um simples pedido (dá-me de beber), antecede a sentença de Jesus declarando que a separação entre os povos em geral já não tinha lugar. A parede segregadora desaparece quando a palavra de Jesus se faz presente (cf. Gl 3.28; Ef 2.14). O mesmo preconceito de origem pode ser visto em João, 8.4, no livro apócrifo de Eclesiástico, 50.25,26.1, e em Lucas, 9.51-53, assim como na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37).

Para o choque dos seus discípulos, e talvez propositalmente, Jesus deixou-se ver falando com uma mulher, pecadora e samaritana. Ela mesma mostrou-se surpresa por Jesus se dirigir a ela pedindo água de seu cântaro “impuro”. Então ela já O chama de “Senhor” e não mais “tu”. A passagem sinaliza a superação dos preconceitos contra a samaritana, obrigada a buscar água num poço mais distante e em horário em que não seria abordada:

O Rev. Miguel Rizzo Jr., escreveu um excelente opúsculo intitulado O Cântaro Abandonado, no qual relata o preconceito social sofrido pela mulher samaritana: “Vivia segregada da sociedade. Possivelmente, no convívio que outrora tivera com suas amigas, percebeu que elas a repeliam. Quantas vezes teria ouvido comentários cortantes de sua conduta!”

O último obstáculo a ser vencido seria o preconceito religioso, que estava na base dos preconceitos socioculturais.

No Sermão da Montanha, Jesus traça os princípios de sua Nova Constituição. Na presença de uma multidão, vinda de todas as partes, o “Constituinte” Jesus eleva a voz e começa a expor as diretrizes da nova Ordem Social.

Qualquer pessoa orientada por princípios humanos e ideais nobres, seja qual for a sua posição religiosa, ao meditar sobre essa passagem evangélica descobre a maneira como ela funda a nova escala de valores, básica para a condição humana, desconhecida da maioria e contrária a diversos preceitos extraídos do Antigo Testamento, solenemente revogado e atualizado por Jesus.

No Novo Testamento, Jesus derruba um a um os preconceitos de origem, de raça, contra as mulheres e as crianças. Traça enfim, uma nova forma de viver, individual e socialmente. Incompreendido por ter derrubado barreiras tão arraigadas e afrontado poderosos, Jesus foi crucificado.

A reflexão impõe uma análise crítica sobre cartilhas e comportamentos que, “em nome de jesus”, empregam discursos belicosos, vingativos, intolerantes, preconceituosos, patrimonialistas, autoritários e violentos. Transparecem práticas de subjugação dos vulneráveis e da diversidade, incompatíveis com a mensagem do Novo Testamento.

Há uma gama de orientações e comportamentos “religiosos” que, embora praticados sob o pretexto do cristianismo, à Luz do Novo Testamento dificilmente receberiam as benções de Jesus.

Mas uma garimpagem, observando os ensinamentos de Jesus, separando o joio do trigo (Mateus 13:24-30), permite observar, também, que há grãos e experiências de boa qualidade, que inspiram verdadeiramente. Merecem ser preservados e armazenados no celeiro. Em termos mundanos, mantenhamo-nos vigilantes. Celebremos a democracia, a tolerância, a igualdade, a liberdade, a fraternidade e o acolhimento das diferenças! Viva a Páscoa e a constante abertura para a refundação de uma Vida nova!