ONU tenta salvar mercado de créditos de carbono na COP-18

Braço econômico do Protocolo de Kyoto, que pode não ser renovado, sistema de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) entrou em colapso

Rio de Janeiro – Dificultados pela progressiva obsolescência do Protocolo de Kyoto e pela ausência de um novo acordo que estabeleça metas concretas de redução das emissões de gases provocadores do efeito estufa, os avanços obtidos nas negociações climáticas globais nos últimos anos limitaram-se à busca por mecanismos econômicos que possam financiar a luta contra o aquecimento global. Em Doha, no Qatar, onde ocorre até 7 de dezembro a 18ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-18), o maior esforço dos representantes dos 190 países presentes será aprofundar ao menos esses mecanismos econômicos.

Se conseguirem lograr avanços nesse ponto da agenda ambiental, os negociadores podem salvar a COP-18 da ameaça de imobilismo total. Os primeiros dias de discussão em Doha apontam para um cenário provável onde a segunda fase do Protocolo de Kyoto – que deveria ter início em 1º de janeiro de 2013 – não deverá ser aprovada durante a conferência, assim como não deverão ser definidos os detalhes da Plataforma de Durban, elaborada na COP anterior e que estabelece metas obrigatórias de redução das emissões para países industrializados e países em desenvolvimento a serem adotadas a partir de 2020.

Mas, mesmo avançar nos aspectos econômicos não será tarefa fácil em Doha. Com o acordo de Kyoto agonizante, a maior iniciativa econômica atrelada ao protocolo – o mercado de créditos de carbono, apoiado na adoção dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) – também corre o risco de se desintegrar. Desde sua criação em 2004, os MDLs, segundo a ONU, já foram objeto de mais de quatro mil projetos aprovados em todo o mundo, o que elevou as cifras dos investimentos negociados no mercado de créditos de carbono a US$ 215 bilhões. Negociados com base nas metas obrigatórias de redução das emissões assumidas pelos países ricos em Kyoto, os MDLs permitem que governos ou empresas poluidoras “compensem” suas emissões ao pagar para que outras regiões evitem a emissão de CO2.

No auge do sucesso, em 2008, a cotação de um crédito de carbono atingiu o pico de US$ 20, mas, desde então, tudo mudou. Um estudo encomendado pela ONU a um painel de especialistas mostra que em 2012 essa cotação caiu a menos de US$ 2, fato que, segundo eles, fez o sistema “entrar em colapso”.

A crise econômica global, que atingiu particularmente a Europa, está na raiz desse abandono dos MDLs e do mercado de créditos de carbono verificado nos últimos quatro anos, mas o enfraquecimento do Protocolo de Kyoto, causado pela não adesão ou abandono por parte de países que são grandes emissores de gases estufa e até mesmo pelo fato de que os países signatários já haviam conseguido cumprir as modestas metas (redução de 5,2%, em relação a 1990) previstas, também teve importante influência.

Esperança

Para a sobrevivência do mercado de créditos de carbono, resta aos negociadores a remota esperança de que a segunda fase de Kyoto seja decidida ainda durante a COP-18 ou que os MDLs passem a ser atrelados às novas metas de redução obrigatória das emissões que venham a ser definidas pela Plataforma de Durban. A expectativa no movimento socioambientalista é que os governos não deixem que seja jogada no lixo uma proposta que foi discutida durante duas décadas e que já é realidade há oito anos.

“Embora a contabilização de créditos de projetos MDL não seja uma medida efetiva de redução global das emissões, a existência de um segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto permitirá a continuidade de investimento, por exemplo, em projetos de geração e uso de energia renovável, com efeitos para disseminação de tecnologias, sistemas produtivos e formação de capacidades associados a uma economia de baixo carbono”, diz Rubens Born, especialista em negociações climáticas da ONG brasileira Vitae Civilis.

Apesar dos percalços em sua trajetória, a adoção dos MDLs, segundo o relatório encomendado pela ONU, possibilitou a transferência de importantes recursos financeiros aos países que venderam créditos de carbono. Esses recursos teriam possibilitado benefícios como distribuição de renda, transferência de tecnologia, geração de emprego e diminuição da poluição local, entre outros.

Fundo Verde

Outro mecanismo econômico considerado de fundamental importância pela ONU é o Fundo Verde Climático, por intermédio do qual os países ricos transfeririam recursos aos países em desenvolvimento para que estes possam se adaptar às conseqüências do aquecimento global e adotar políticas sustentáveis de crescimento econômico. Lançado oficialmente na COP-17, realizada no ano passado em Durban, na África do Sul, o Fundo tem objetivo ambicioso – arrecadar US$ 100 bilhões por ano –, mas ainda não foi colocado em prática.

Por conta da crise econômica, ainda não se sabe se em Doha a União Europeia e os Estados Unidos levarão adiante suas promessas feitas no ano passado quanto ao Fundo Verde Climático, mas a pressão nesse sentido será grande durante a COP-18. Um documento divulgado ontem (28) pelos quatro países do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) exige que o compromisso seja cumprido e pede que ele não se limite à transferência de recursos financeiros, mas inclua também transferência de tecnologia e capacitação das populações locais para enfrentar o aquecimento global. O documento pede ainda que as fontes desses recursos sejam públicas, e não privadas, de modo a garantir a sua perenidade.

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