Carlos Careqa mistura referências globalizadas no álbum Made In China

Novo álbum de Carlos Careqa (Reprodução) O cantor e compositor catarinense Carlos Careqa pode ser considerado um dos artistas mais inventivos e que exploram novos horizontes, trazendo novos ares para […]

Novo álbum de Carlos Careqa (Reprodução)

O cantor e compositor catarinense Carlos Careqa pode ser considerado um dos artistas mais inventivos e que exploram novos horizontes, trazendo novos ares para serem respirados no atual cenário da música brasileira. É o que se percebe rapidamente na audição do ótimo álbum Made In China, que é o oitavo da carreira e começa com Calma Alma, uma canção interpretada a cappella pela multiplicação da voz do artista, responsável também pelos arranjos. Num diálogo com a própria alma, ele conclui: “Desarma que é melhor / Desapega que é mais sábio / Desassossega que não é pra hoje / Que o mistério te encoraje”.

É com esse espírito que chegamos à segunda canção, o repente eletrônico, com pitadas de tango, O q cê tem na cabeça, com letra de Marcelo Quintanilha e sonoridade dos músicos Marcio Nigro (violão aço, baixo, guitarra, teclados, samplers e programação MIDI), que também é o produtor do álbum e no encarte aparece de maneira divertida como tendo tocado todos os instrumentos, inclusive os imaginários; e Thiago “Big” Rabello (bateria). Em meio a vontade de “comer” a atriz Sharon Stone, o artista declara: “Achar minha rima e minha solução / O planeta pedindo socorro / O país que precisa da gente / A goteira pingando no forro / As angústias vazando na mente / Uma voz que sempre diz insista / Não desista é sua missão / O que tem na cabeça do artista / O coração, somente o coração”.

Com o coração explodindo, mas mais contido, Carlos Careqa mergulha ainda mais na doce e cativante balada Crise de Identidade: “Estou comigo mesmo e confesso / Que ‘eu’ desse uma volta só pra variar, / Me deixar um pouco só do avesso: / Ainda atravesso esse meu jeito de agonizar”. O mesmo clima mais calmo segue na apaixonante 44 (quarenta e quatro) (tudo a ver com o atual momento da música pop em que artistas batizam os álbuns com as próprias idades), que tem um toque oriental em muitos momentos. “A fana que inflama / Ou o corpo parco? / O espelho lhe é choco / Ou o vizinho é louco? / A moeda que sobra / Ou o coração que sangra? / O que mais te dói: / Ser bandido ou ser herói?”.

O clima chinês que dá título ao álbum é assumido completamente na divertida faixa-título, com seu som abafado em alguns momentos e acelerado em outros: “O Macintosh tem sangue chinês / O meu casaco um peruano fez / E a bicicleta ergométrica / Foi um cigano chinês / A cobertura do bolo holandês / Não está mais ao gosto do freguês / Minha vizinha senegalinha / Comeu mais um frango xadrês / Tudo é Made in China / Tudo é medicina e não vai melhorar”. Esse clima reaparece em Gohan de Dois, misto de baião e música oriental.

Made In China parece dialogar com a cantiga Mídia, com uma sarcástica declaração de amor: “Mídia / Me entreguei a ti / Fiz os teus caprichos / Óh! Mídia / No dia em que eu te conheci / Acreditei que seria feliz / Investi tudo o que tinha / Eu cri não eras uma atroz / Quando tu aparecias / Lá estava eu junto a sorrir”. O universo midiático e artístico também aparece em Existir: “Existir / Ainda vai levar / Os meus trocados / Barriga pra dentro / É preciso estar focado / Assistir / À minha estreia / É um pouco engraçado / No meio do palco/estou palco lento / Me encontrei do lado errado”.

Se, recentemente, Marcelo Jeneci cantou que a gente é feito pra acabar, Carlos Careqa vem com sua resposta, em Feito pra continuar: “A gente é feito pra se transformar / A gente é feito pra continuar / Nunca se acaba / Nem quando termina / O ouro que cobre / Volta pra mina / Pensamento vem / Conclusão e vai / É tudo que me dói / Na vida oficina!”. Outro diálogo se estabelece com Chico Buarque, a quem é dedicada a canção Ladro: “Conheci uma pequena / Que nasceu de uma canção / Do seu nome não me lembro / Talvez alucinação / Antes que ela me roubasse / E estragasse nosso amor / Quebrei mais um pé do verso / E puxei o cobertor”. Eis um exercício de metalinguagem marcada por uma sonoridade que começa calma e ganha agressividade roqueira. O mesmo universo “buarqueano” também aparece em Estrepolia.

O álbum termina com Sou Um Moinho, que remete ao universo de Chico César; Botão de Futebol, com certo clima de Novos Baianos; e a romântica metalinguística Passarinho Quando Pia: “Ela tinha reservado um horário / Pra falar de poesia / Ela vinha com o caderno / Amassado / E eu entrava com a melodia / Mas poesia não se aprende, / Não se estuda / Poesia é todo dia”. Desse modo, Made In China confirma a inventividade de Carlos Careqa, tanto no que se refere às letras, que traçam um ácido retrato da sociedade contemporânea, quanto à musicalidade, nesse caso que conta com a colaboração preciosa de Marcio Nigro, marcada por uma mistura para lá de saborosa.

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