Triste recorde

Chega a 82 número de resgatados em trabalho escravo na colheita de arroz no Rio Grande do Sul

Entre os resgatados, desta vez em duas fazendas de Uruguaiana, 11 eram adolescentes. “Triste recorde no estado”, diz MPT

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Foi o maior resgate já realizado em Uruguaiana. Trabalhadores eram da própria região

São Paulo – Mal foi concluída a operação referente a trabalho análogo à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, o Rio Grande do Sul foi o local de novo flagrante. Na sexta (10), agentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Federal (PF) resgataram 56 trabalhadores em situação de trabalho escravo. Nesta segunda (13), o MPT atualizou a lista para 82 pessoas.

Desses, 11 são adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. Assim, a operação fez o segundo maior resgate de trabalhadores registrado no estado, atrás apenas dos 207 encontrados em Bento Gonçalves em fevereiro. “Em todo o Rio Grande do Sul, já são 291 resgatados em 2023, número próximo do dobro dos 156 do ano passado. E que por sua vez já havia representado um triste recorde”, afirma o MPT.

Os encontrados em trabalho escravo em Uruguaiana atuavam no fazendo o corte manual do arroz vermelho e na aplicação de agrotóxicos, sem equipamentos de proteção. “Chegavam a andar jornadas extenuantes antes mesmo de chegarem à frente de trabalho”, informa o órgão. De acordo com a fiscalização, assim como ocorreu em Bento Gonçalves, este é o maior resgate registrado em Uruguaiana.

Agenciador foi preso

A operação, nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim, ocorreu após denúncia às autoridades sobre a presença de jovens em trabalho irregular e sem carteira. Assim, no local, os fiscais encontraram também adultos em condição análoga à escravidão. Eram trabalhadores da região, vindos de Itaqui, São Borja, Alegre e da própria Uruguaiana. Um “gato” com atuação na região fronteiriça – Uruguaiana faz divisa com a Argentina e fica perto de Paraguai e Uruguai – fez o recrutamento. Está preso em flagrante.

“Eles faziam o corte manual do arroz vermelho com instrumentos completamente inapropriados (muitos usavam apenas uma faca doméstica de serrinha), além de aplicar agrotóxicos com as mãos”, relata ainda o MPT. “Também fazia parte das atribuições a aplicação de veneno pelo método de “barra química”, em que dois trabalhadores aplicam o agrotóxico usando uma barra metálica perfurada conectada a latas do produto – um tipo de atividade que exige equipamentos individuais de proteção, que não eram fornecidos.”

Comida estragada

Muitas vezes, os trabalhadores estavam obrigados a caminhar durante 50 minutos, debaixo de sol, para chegar à fazenda. Recebiam R$ 100 por dia, mas tinham que bancar comida e ferramentas. “Nessas condições, a comida estragava constantemente e os trabalhadores não comiam nada o dia inteiro. Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada. Conforme os relatos, um dos menores sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.”

Com isso, os trabalhadores receberão três parcelas de seguro-desemprego. Os empregadores serão notificados para assinar a carteiras de trabalho dos resgatados e pagar verbas rescisórias. O MPT vai pedir indenização por danos morais e coletivos.

Quase R$ 30 mil por trabalhador

No caso de Bento Gonçalves, o Ministério Público estima que os resgatados do trabalho escravo poderão receber até R$ 6 milhões. O Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com as vinícolas prevê pagamento de R$ 2 milhões a serem distribuídos igualmente entre os trabalhadores. A Justiça do Trabalho concedeu em primeira instancia (2ª Vara local) o bloqueio, por danos morais individuais, de R$ 3 milhões do proprietário da empresa (Fênix) responsável pela contratação de terceirizados. Além disso, as verbas rescisórias, já pagas, somam R$ 1,1 milhão.

“Ao todo, o valor repassado pode chegar, em média, a R$ 29,5 mil por trabalhador. O que não impede o ajuizamento de ações trabalhistas individuais pelos próprios resgatados em face das vinícolas e da empresa Fênix”, diz o MPT. O acordo prevê ainda pagamento de R$ 5 milhões a título de indenização por danos morais coletivos. O valor deve se destinar a projetos sociais.

“Uma solução extrajudicial como essa tem a força legal de uma sentença, mas atingida em um tempo mais curto e garantindo pagamento imediato aos trabalhadores, evitando anos de uma ação e de recursos protelatórios”, afirma o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira. “Além de servir como um compromisso inédito de todo um setor produtivo com o ajuste e a correção de suas práticas.”


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