Sem imposição

Governo estuda reformas da Espanha e do México, mas quer ser ‘mediador’ em mudanças na legislação trabalhista

Novo chefe da assessoria internacional do Ministério do Trabalho, Valter Sanches afirma que o Brasil levará aos organismos globais mensagem de respeito à negociação coletiva

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'O conteúdo da reforma trabalhista é um problema em si porque trouxe uma precarização enorme. Mas o problema maior é que foi feito goela abaixo'

São Paulo – Nesta terça-feira (14), o recém-nomeado chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, Valter Sanches, receberá uma representante da embaixada da Espanha para discutir a reforma trabalhista naquele país, aprovada há pouco mais de um ano. Independentemente do conteúdo, o processo em si é um modelo para o Brasil, considera Sanches. “Lá foi feito um processo de negociação tripartite (governo, trabalhadores e empresários). Até o fim de 2021, estavam muito claros os efeitos negativos para a economia. Nós também temos aqui números que comprovam isso. O processo com certeza é um modelo.”

Nesse sentido, os ministérios do Trabalho do Brasil e da Espanha já iniciaram tratativas para aprovar um termo de cooperação bilateral, assunto que também estará em discussão. Mas o governo Lula observa outras experiências, sempre negociadas, de regulamentação trabalhista. Da mesma forma que já alertaram o próprio presidente e o ministro Luiz Marinho, Sanches lembra que as possíveis mudanças na legislação não serão feitas por imposição, mas como resultado de acordos.

Denúncias na OIT

O Brasil pretende, inclusive, mostrar ao mundo que tem nova postura em relação ao tema. Isso depois de figurar na chamada “lista curta” da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por violação de normas. Por isso, em pleno domingo de carnaval (19) Sanches viaja para a África do Sul, para reunião do grupo trabalho-emprego do Brics, preparatória de encontro ministerial em meados do ano. Com isso, o chefe da assessoria internacional espera dar uma demonstração de que o novo governo brasileiro pretende, ao contrário do anterior, respeitar convenções da OIT, como a 98, sobre direito de sindicalização e negociação coletiva.

Assim, no caso da “reforma” implementada em 2017 no Brasil, não haverá revogação, mas revisão de alguns pontos, entre os quais o trabalho intermitente “Eu espero que a gente possa também informar para os organismos onde houve denúncia, a OIT e a Comissão Sociolaboral do Mercosul, que esse processo de negociação para a revisão estará em curso. Uma mensagem contundente é suficiente para esclarecer os organismos internacionais que o governo atual está respondendo positivamente àquela queixa.”

Reforma “goela abaixo”

Uma postura oposta ao do governo encerrado em 31 de dezembro. “Tentou justificar o injustificável. O conteúdo da reforma trabalhista é um problema em si porque trouxe uma precarização enorme. Mas o problema maior é que foi feito goela abaixo. Ou seja, não houve nenhuma negociação. O governo decidiu, mandou para o Congresso Nacional e fez. A consequência foram violações flagrantes da Convenção 98, do qual o Brasil é signatário”, lembra Sanches.

Sanches reitera que a revisão da reforma trabalhista não vai ser uma revogação total. “Mas uma revisão é necessário, porque teve efeitos danosos para o país”, ressalta. Ele cita ainda temas como a terceirização, tema de outra lei aprovada na mesma época, e a chamada ultratividade dos contratos – princípio pelo qual um acordo era mantido, mesmo após a validade, até sua renovação. “O que o governo tem anunciado é que isso vai ser feito, na medida do possível, por um processo de negociação.”

Governo será mediador

Ele lembra que isso já foi dito às centrais sindicais em janeiro. As prioridades do governo na área trabalhista são três: revisão pontual da reforma, retomada da política de valorização do salário mínimo e regulação do trabalho por meio de aplicativos. “Em todos esses processos, o ministério vai tentar agir como um mediador, chamando trabalhadores e empresas para buscar um acordo.”

Um experiência que o governo acompanha com interesse é da reforma aprovada no México em 2019. “Era um dos piores sistemas de relações de trabalho do mundo. Fizeram um processo que realmente democratiza a estrutura sindical e o sistema de negociação. Estabelece critérios para registrar um sindicato, tem que ter um estatuto democrático, as empresas são obrigadas a negociar. Está sendo uma revolução no México. Claro que tem suas particularidades existe a possibilidade de criar sindicato por empresa, que é uma falha desse modelo, mas a gente pode aprender muito com ele. Está no nosso radar.”

Estrutura sindical

Ex-secretário-geral do IndustriALL Global Union, sindicato global dos trabalhadores na indústria, ex-secretário de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT e também ex-funcionário da Mercedes-Benz em São Bernardo, Sanches é crítico da estrutura sindical brasileira. “Não atende os desafios do mundo do trabalho”, diz. Mas pondera que essa é uma opinião pessoal e que o tema não está na pauta, a não ser que haja demanda das centrais sindicais. O que é improvável, já que o tema não tem consenso entre as entidades.

O que as centrais cobraram do governo foi a reativação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho. Seria um passo na direção do diálogo social, termo que Sanches considera de certa forma indevido ou muito “europeu” – prefere usar “tripartismo”. “Esse nome (diálogo social) presume uma igualdade de condições para negociação, que é uma coisa que não existe no Brasil. O governo tirou a fonte de financiamento dos sindicatos, não colocou nada no lugar, deixou os sindicatos asfixiados. Tirou a fonte e o lugar na mesa de negociação. Diálogo social para existir, ser digno de nome, precisa dar a todos os atores igualdade de condições. E é isso que este governo vai buscar.”

Acordos abaixo da lei

Essa também será a mensagem que o governo levará ao Conselho de Administração da OIT, que se reunirá em março: a efetiva valorização da negociação coletiva. O que é bem diferente, observa Sanches, de permitir acordos “abaixo da lei” e com sindicatos enfraquecidos. “Você não está promovendo negociação, está impondo.”

Mas o retorno da contribuição sindical, também chamado de imposto, está fora dos planos. O que se busca, segundo Sanches, é a aprovação de uma taxa negocial, que alguns sindicatos já usam ao aprovar acordos coletivos, mas que em alguns casos sofre contestações judiciais. Uma taxa com limites claros e que proporcione segurança jurídica. Sanches considera justo que trabalhadores não associados também contribuam, na medida em que se beneficiam dos acordos negociados pelos sindicatos. Já a questão dos encargos não está no radar neste momento. A não ser, também, que os sindicatos queiram “provocar” esse debate.

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