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Para central sindical da Espanha, mudanças trabalhistas reequilibram negociação coletiva

Secretário-geral da central espanhola CCOO, Unai Sordo vê “janela de oportunidades” com a aprovação (apertada) da reforma. Avanços vão depender da ação sindical, afirma

CCOO
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Unai Sordo evita comentar sobre possíveis influências em outros países. Brasil acompanha debate com atenção

São Paulo – Foi mais difícil do que se previa, apenas um voto de diferença, mas o acordo sobre novas regras trabalhistas foi aprovado na Espanha. As negociações foram acompanhadas com atenção em vários países, inclusive no Brasil, que pode iniciar um debate semelhante a partir do ano que vem, dependendo do resultado das eleições presidenciais e parlamentares de outubro. Secretário-geral da central sindical CCOO desde 2017, Unai Sordo, 49 anos, é prudente ao abordar o tema.

Para ele, as mudanças em relação ao modelo adotado na Espanha nos últimos 10 anos enfrentam alguns dos principais problemas do mercado de trabalho, especialmente em relação aos excessivos contratos temporários. Ele ressalta a valorização da negociação coletiva como marco fundamental para buscar outros avanços, reduzindo a instabilidade econômica.

Sobre possíveis influências em outros países, o sindicalista oriundo do setor industrial é cauteloso. “Eu não me atrevo a pronunciar-me taxativamente sobre uma questão que não conheço com certa profundidade”, diz. Mas ele aponta um desafio que pode se repetir em locais que consigam rever suas regras trabalhistas. “Agora, as convenções coletivas e a ação sindical devem aproveitar a melhor situação objetiva que fomos capazes de criar a partir da lei, para materializá-la em melhoras palpáveis para a classe trabalhadora”.

Com 47,3 milhões de habitantes, a Espanha tem 20,2 milhões de ocupados e 3,1 milhões de desempregados (sendo pouco mais de 1,6 milhão de mulheres), segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). No último trimestre de 2021, houve crescimento entre os assalariados, os que têm contrato por tempo indeterminado e os que trabalham por conta própria, enquanto os contratos temporários diminuíram. Em termos anuais, a ocupação cresceu principalmente no setor de serviços (705.400), bem acima da indústria (71.500), agricultura (58 mil) e construção (5.700).


Confira a entrevista deUnai Sordo, da CCOO

Que avaliação pode ser feita após a aprovação do decreto de reforma laboral? Que tipo de impacto poderá existir no mercado de trabalho?

A avaliação é muito positiva. Acreditamos que é um reforma que enfrenta alguns dos principais problemas do modelo trabalhista espanhol. Sobretudo, um pacote muito ambicioso para reduzir a temporalidade dos contratos. Mas também se reequilibra a negociação coletiva, derrubando medidas que a reforma de 2012 fez à direita. Recuperamos a vigência por tempo indeterminado das convenções coletivas e evitamos que os acordos por empresa possam reduzir os salários acordados nas convenções setoriais. E pela primeira vez se introduzem mecanismos alternativos às demissões, mediante fórmulas de adaptação temporal da jornada quando as circunstâncias o recomendem, evitando demissões.

O impacto que esperamos tem duas linhas: uma é estabilizar o emprego em um país que tem a taxa de temporalidade mais alta da Europa, e assim evitar que as empresas demitam de forma sistemática, como fizeram até agora, quando a situação econômica se complique. A outra é reforçar a negociação coletiva de maneira que o instrumento de melhora dos direitos trabalhistas mais importante de que dispõe a classe trabalhadora demonstre todo seu potencial. Neste sentido, a reforma laboral foi um passo importante, embora tenhamos dados outros, como a extensão dos planos de paridade nas empresas com mais de 50 trabalhadores.

Existe uma “temporalidade excessiva” nos contratos laborais? Em que medida isso prejudicava os trabalhadores?

Na Espanha existem várias atividades econômicas, que se exercem de forma sazonal, como o turismo e a agricultura. Mas essas atividades não precisam, necessariamente, estar cobertas por contratos temporários – podem estabelecer mais garantia aos trabalhadores por meio de contratos com mais direitos. Mas mesmo se excluirmos essas atividades, ainda assim as taxas de temporalidade na Espanha são altas em comparação om o restante da Europa.


Há toda uma cultura de temporalidade na Espanha, que consiste em que os trabalhadores são uma espécie de “colchão de segurança’ das empresas, de que se livram a seu bel-prazer por meio da demissão. Isso prejudica muito os trabalhadores, pois com um contrato temporário a instabilidade, no trabalho e na vida, é enorme. Além disso, reforça o poder empresarial e inibe a classe trabalhadora pela ameaça de demissão.


Você esperava um resultado (175 a 174) tão estreito no Congresso? O que aconteceu? Houve resistência de parte da esquerda?

Não, não esperávamos. Essa reforma deveria ter sido aprovado com um amplo consenso do Congresso, com todos os partidos de esquerda. Acredito que alguns grupos de esquerda não votaram contra por alguns tópicos, mas por uma questão eleitoral com os dois partidos que compõem o governo. Além disso, há uma resistência em quase todos os partidos em assumir o valor democrático do diálogo social e o papel dos agentes sociais, e assim lhes restam as manobras políticas. Em todo caso, são razões lamentáveis, quando o que deveria estar em jogo não são os interesses dos partidos, mas da classe trabalhadora mais precária.

Quanto tempo levaram as negociações entre governo, trabalhadores e empresários? Quais foram os momentos mais difíceis?

Pelo menos nove meses. A negociação foi interrompida, primeiro, por eleições e depois pela pandemia. Mais que momentos difíceis, o que aconteceu foi uma disputa em todos e cada um dos itens negociados. São matérias muito sensíveis, que afetam todos os setores econômicos. As pressões desses setores, em lobbies, são tremendas. Em termos de contratação, eu não pensei que fôssemos capazes de chegar tão longe. Nas medidas alternativas às demissões, o acordo foi mais fácil. E no reequilíbrio da negociação coletiva as dificuldades vinham dos dogmas da visão anterior sobre o mercado de trabalho que se impulsionou desde a União Europeia, que têm muita influência.


Encontro com a ministra da Fazenda, María Jesús Montero, e ressaltando avanços com revisão da reforma: há uma dívida com os trabalhadores, afirmam as centrais (Fotos: CCOO)

“É preciso considerar, de fato, o desastre humano, social e ambiental que foi o neoliberalismo. Aí está o desafio para construir um novo contrato social, ou os fantasmas reacionários e neofascistas também estarão se consolidando na Europa”


Nem todo o movimento sindical espanhol foi a favor do acordo (a UGT também aprovou as mudanças). O que acha das críticas ao decreto?

Essas críticas têm dois aspectos. Um é o sindicalismo minoritário, tanto de esquerda como de direita, que apenas tem influência fora de setores da administração pública e grandes empresas. Esses sindicatos se podem permitir uma posição crítica e retórica porque não atuam como interlocutores sociais, e por trás da linguagem radical só têm alguma representação da parte mais protegida da classe trabalhadora, para quem que essas medidas se supõem menos urgentes. A outra crítica vem de sindicatos nacionalistas, que rechaçam a própria existência do diálogo social, de que se recusam a participar. Por tanto, qualquer medida, por mais benéfica que seja, conta com oposição. Oposição também retórica, porque em seguida, em seus espaços de influência utilizam os resultados do diálogo social sem nenhum pudor.

Você acredita que a experiência da Espanha pode influenciar outros países? No Brasil se discute muito o tema, e muitos defendem uma revisão, ou até mesmo a revogação, da reforma aprovada em 2017.

Eu não me atrevo a pronunciar-me taxativamente sobre uma questão que não conheço com profundidade. Posso dizer que a agenda reformista que impulsionamos na Espanha desde o início da pandemia tem três características. Um, é produto de acordos sociais. Dois, supõe uma impugnação de reformas anteriores e métodos de governos anteriores. Três, é uma política trabalhista mais justa, mas também mais eficaz que as desenvolvidas em outros momentos.

A pandemia na Espanha teve uma perda de empregos inferior à de outras crises, e com a recuperação das taxas de empregos e contribuintes na seguridade social em um tempo recorde. Foram dados passos para regular o teletrabalho e o trabalho a distância, a economia de plataforma.


Cometeríamos um erro se pensássemos que apenas a mudanças legais vão garantir uma melhora drástica da qualidade dos empregos. Agora, as convenções coletivas e a ação sindical devem aproveitar a melhor situação objetiva que fomos capazes de criar a partir da lei, para materializá-la em melhoras palpáveis para a classe trabalhadora.


A aprovação da reforma na Espanha sinaliza mudanças políticas após anos de predomínio do neoliberalismo?

Creio que é preciso ser prudente com isso. Acredito que a resposta à crise na Europa foi bem diferente do que se deu na crise financeira de 2008. Houve ali uma intervenção intensa do poder público para evitar colapso econômico e desaparecimento do tecido produtivo. Se habilitaram fundos econômicos financiados com a dívida comum europeia, questão que há apenas dois anos seria impensável. E se impulsionam reformas que remam em direção contrária às prescritas 10 anos atrás.

Na minha opinião, se abriu uma janela de oportunidade que é preciso aproveitar para que essa orientação das políticas ganhe centralidade. Alguns acreditam que se deve pressionar por reformas mais radicais e que não fiquem “no meio do caminho”. Essa opção, que é respeitável, parte de uma visão errada do momento. Mais que reformas radicais, creio que se trata de impulsionar reformas ambiciosas que ganhem centralidade, que ganhem o sentido comum da maioria social, para tratar de fazê-las irreversíveis ou mais dificilmente reversíveis. A partir daí se poderá avançar mais no futuro.

É provável que essa janela se feche. Na União Europeia há quem aposte, e com força, em retornar às normas severas do Pacto de Estabilidade e Crescimento (acordo de austeridade fiscal entre os países da UE), agora suspenso, retomar políticas monetárias convencionais e deixar que o encarecimento da dívida pública a que recorreram alguns países para evitar o colapso pandêmico voltem a operar como disciplinadores das políticas econômicas. Por isso, há que se fazer o caminho ao andar. É preciso considerar, de fato, o desastre humano, social e ambiental que foi o neoliberalismo. Aí está o desafio para construir um novo contrato social, ou os fantasmas reacionários e neofascistas também estarão se consolidando na Europa.


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