Administrador de engenho é condenado em Pernambuco por trabalho escravo

Reclusão a sete anos e meio de prisão é “desvio à regra”, que consiste em minimizar a pena com troca por pagamento de multas e de cestas básicas

São Paulo – A Justiça Federal condenou o administrador de engenho João Gouveia da Silva Filho a sete anos e meio de prisão por submeter 35 trabalhadores rurais a condições análogas às da escravidão em uma propriedade de Amaraji, a 150 quilômetros de Recife, em Pernambuco. A pena deve ser cumprida em regime fechado, mas o réu poderá aguardar julgamento de recurso em liberdade.

“A condenação significa um avanço no sentido de concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, além de sinalizar para a necessidade de uma postura mais proativa dos empregadores rurais com o objetivo de garantir essa dignidade, sob pena de responsabilização criminal”, destacou o procurador da República Paulo Roberto Olegário de Sousa, que moveu a ação contra o administrador.

O processo resultou de operação promovida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego em parceria com o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. Em 2009, os agentes flagraram a situação dos trabalhadores, que não recebiam alimentação e eram obrigados a fazer as refeições sentados no chão. Faltavam ainda banheiros para uso dos empregados, que atuavam nas lavouras de banana e de cana-de-açúcar, além de tratarem dos animais. Eles viviam em casas com rachaduras e goteiras, sem quaisquer instalações sanitárias e com instalações elétricas precárias.

A remuneração média ficava em R$ 273,70, sem registro em carteira de trabalho e sem pagamento de 13º salário. Como o administrador do engenho escolhia quem trabalharia a cada dia, e pagava apenas pela jornada trabalhada, muitos dos trabalhadores ficavam reduzidos ao estado de miséria. Faltavam também equipamentos mínimos de proteção individual – como luvas e botas -,  treinamento para o manejo de agrotóxicos e assistência médica.

“Da situação constatada nos engenhos fiscalizados e das condições às quais os trabalhadores estavam submetidos, tornou-se evidente que eles não eram tratados como fim em si mesmo, tampouco respeitados minimamente em sua individualidade”, anota o  juiz federal Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho, que tomou uma decisão pouco comum no Judiciário brasileiro. 

No geral, as sentenças por trabalho escravo limitam-se à troca da reclusão por pagamento de cestas básicas. Neste caso, João Correia terá, além de cumprir a pena, de pagar multa no valor de 250 salários mínimos. “(Os trabalhadores) eram tratados como ‘meio’, como meras ‘ferramentas’ de trabalho manipuladas pelas mãos do denunciado, que os utilizava sem zelo e sem cautela, única e exclusivamente como fonte de renda, ainda que em absoluta desarmonia com a integridade física e psíquica inerente a todo ser humano”, conclui o magistrado.

Possibilidade de mudança

Políticos e técnicos que atuam no setor acreditam que o quadro da escravidão poderia ser alterado com a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que destina para reforma agrária as terras nas quais foi flagrado trabalho escravo. A PEC 438 completa em novembro dez anos desde que foi apresentada pelo então deputado Ademir Andrade (PSB-PA). 

O texto foi aprovado por uma comissão especial montada para debater o tema e pela Comissão de Constituição e Justiça, mas aguarda, desde 2004, pela votação no plenário da Câmara. Um dos argumentos da bancada de representantes é de que não há uma definição clara sobre o que configura a escravidão moderna, o que dá ao agente de fiscalização um poder de interpretação subjetiva que pode conduzir a abusos e, por consequência, a condenações ilegais.