Público de verdade

Ministro Alexandre Padilha defende recursos maiores e mais bem aplicados para a saúde. Ele acredita que o crescimento do país será generoso com a área

Alexandre Padilha: “O SUS é público, sou totalmente contrário a qualquer tipo de discriminação em leitos públicos” (Foto: Elza Fiúza/ Agência Brasil)

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, falou sobre investimento e financiamento no setor, formação de médicos e os desafios para a consolidação do SUS. A convite da rádio, outras pessoas fizeram perguntas ao ministro.

Nós fizemos uma série chamada Ferida Aberta, que mostrou problemas na gestão do Sistema Único de Saúde em São Paulo. Como o senhor vê o caos no SUS em algumas cidades?

O Sistema Único de Saúde faz parte da história da conquista da democracia. Estamos completando 22 anos da existência do SUS, que foi um projeto de inclusão social. E vamos lembrar que, antes de ele existir, quem não pagava a Previdência ou algum plano de saúde não tinha nenhum tipo de assistência médica integral no Brasil. Esses 22 anos são uma história de sucesso, mas também de muitos desafios pela frente, ainda. O sucesso vem do fato de termos construído um sistema que é um dos maiores sistemas nacionais e mais faz transplantes públicos totalmente gratuitos no mundo. Cobre 100 milhões de pessoas, faz 3,5 milhões de consultas por ano, 11 milhões de internações, mas ainda tem vários desafios. Todas as pesquisas mostram que a grande reclamação das pessoas em relação ao SUS é exatamente o tempo de espera, a demora no atendimento, a baixa qualidade no atendimento, seja no centro de saúde, seja na atenção hospitalar, no pronto-socorro, na internação hospitalar, entre outras situações. Nossa grande obsessão e prioridade é fazer um conjunto de ações das secretarias estaduais e municipais para garantir às pessoas o acesso em tempo adequado e com qualidade. Nenhum gestor pode se contentar com a situação da saúde no Brasil hoje. 

O senhor pretende aumentar o investimento? 

Nós vamos fazer mais com o que temos. É possível, com maior organização, maior articulação, definindo melhor as prioridades e comprometendo mais os gestores municipais e estaduais e quem dirige a unidade. Estamos lançando, inclusive, um indicador nacional de acesso e qualidade que vai ter uma expressão no município, na região, no estado. Vamos avaliar o desempenho dos sistemas e remunerar mais quem fizer mais e, junto com isso, brigar por mais recursos. Acreditamos que o crescimento econômico vai ser generoso com a saúde no Brasil. 

O senhor está a favor do retorno da CPMF?

Nosso governo nunca debateu, nunca cogitou recriar a CPMF para financiar a saúde. 

Arthur Pinto Filho (promotor de Direitos Humanos e de Saúde Pública) – Uma lei estadual, aprovada no final do ano passado em São Paulo, possibilita que hospitais gerenciados por organizações sociais (OS) entreguem 25% de seus leitos a particulares e a segurados de planos de saúde. Gostaria de ouvir sua reflexão acerca dessa lei estadual.

O SUS é público, sou totalmente contrário a qualquer tipo de discriminação em leitos públicos. Há uma outra discussão, o ressarcimento dos planos de saúde. Tem uma lei que obriga o ressarcimento pela operadora de planos de saúde quando um usuário, por meio dela, se utiliza de um serviço do SUS. Já sabemos que vários planos não cobrem os procedimentos de mais alto custo. Transplantes, tratamentos quimioterápicos, exames de maior complexidade e UTI acabam vindo para o SUS, e é importante que haja um ressarcimento. A lei atual exige que sejam vistos prontuário por prontuário de paciente, ficha por ficha de um usuário de plano de saúde que procurou o SUS. Isso às vezes causa certa morosidade do ressarcimento, as operadoras entram na Justiça. Por isso, nossa orientação no Ministério da Saúde é melhorar o sistema de informação para termos mais rapidamente essa resposta. Nós acreditamos que, em 2011, vamos ter um aumento no ressarcimento dos planos de saúde ao SUS em relação aos anos anteriores com esse aprimoramento do mecanismo de cobrança.

David Braga (médico do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo) – Estamos num momento de rápida expansão da população idosa e de portadores de doenças crônicas, que dependem de atenção especial. Quais são as políticas públicas que estão sendo desenhadas para atender a essa fenomenal e rápida mudança de demanda e de organização, e mesmo de formação de pessoal? 

Os três grandes problemas contemporâneos do país na saúde vão ser o aumento do envelhecimento da população, a obesidade (uma pesquisa divulgada pelo ministério aponta 48% da população brasileira com excesso de peso e 15% obesa) e os acidentes de trânsito. Eu diria que, por conta do envelhecimento da população, precisamos já, hoje, reorganizar seus serviços. Inclusive aumentar a formação de médicos. É preciso rever a necessidade de abrir vagas no curso de Medicina, onde abrir, em que estados, para que em 2030 possamos chegar ao mesmo parâmetro de outros grandes países do mundo. Significa desde já ter políticas como as que fizemos com a oferta gratuita de remédios para hipertensos e diabéticos na rede “Aqui tem Farmácia Popular”. Em 30 dias do programa “Saúde não tem preço”, tivemos o aumento de 104% no acesso de hipertensos e 73% de diabéticos aos medicamentos gratuitos.

Como tornar atrativa a carreira no SUS para médicos e profissionais da saúde, já que hoje sabemos que faltam médicos na rede e existem diferenças salariais gritantes entre trabalhadores contratados pelo poder público e pelas OSs? 

São várias as questões que envolvem esse problema. Não podemos ter em uma mesma unidade de saúde, hospital ou unidade básica pessoas com formas de remuneração diferentes, a não ser que essa forma de remuneração tenha a ver com o padrão de qualidade na atenção à saúde. Outra grande questão é que o Brasil precisa de mais médicos. Na comparação, por exemplo, o Rio de Janeiro tem quase 4 médicos por mil habitantes e o Maranhão, 0.6. Isso demonstra que há regiões pouco assistidas. Claro que temos de ter mecanismos de atração que levem profissionais às regiões periféricas, para a atenção primária à saúde.

Josefina Martins de Lima Moura (usuária do SUS) – Ministro, nós estamos morrendo na fila. Eu não sei onde esses políticos jogam o dinheiro, mas dinheiro tem, e eles têm dó de pagar um funcionário para trabalhar em um hospital. Uma coisa eu digo: quem tem dinheiro tem vida, tem saúde, quem não tem dinheiro tem a morte no caixão.

Infelizmente essa é uma situação recorrente ainda, em especial em um sistema que é descentralizado, em que o Ministério da Saúde estabelece diretrizes, constrói políticas, busca repassar recursos, mas não tem controle de tudo aquilo que é feito na gestão em cada município, em cada região. Nosso esforço tem sido exatamente esse, de estabelecer o acesso, ou seja, as pessoas terem a oferta dos serviços no tempo adequado. Uma grande prioridade é induzir financeiramente a isso, poder remunerar melhor os estados e municípios que apresentem melhor desempenho e fazer um conjunto de ações para organizar redes. Por isso lançamos a Rede Cegonha, para enfrentar o problema da atenção materno-infantil durante o parto e depois do parto. Por isso vamos lançar uma política de atenção primária, que vai remunerar melhor os centros de saúde que cumprirem alguns parâmetros de qualidade. Vamos conseguir uma política de urgência e emergência, para atacar, sobretudo, o problema de uma das principais portas de urgência em todo o Brasil. 

Isso vai ser implantado nos próximos meses? 

Isso. As redes de tratamento de câncer de colo de útero já foram lançadas e estão no processo de adesão dos municípios e estados. A atenção primária, urgência e emergência serão os próximos passos. Estamos fechando o processo de pactuação das secretarias estaduais e municipais, tem de ter a parceria para que aquilo que é um desejo da presidenta Dilma possa chegar à casa da Josefina.