Desde sempre

Todas as crises institucionais desde a República tiveram presença militar, afirma pesquisador

Para Carlos Fico, o país tem um problema estrutural que não se resolve com “arranjos políticos”. Com apoio de Renato Janine Ribeiro, ele defende nova redação para o artigo 142 da Constituição

Helena, Carlos Fico, Janine e Rosa Freire:
Helena, Carlos Fico, Janine e Rosa Freire:

São Paulo – Em debate promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre os 60 anos do golpe, a permanente presença militar foi um das principais questões abordadas. Prestes a publicar livro que se chamará Utopia autoritária brasileira, o professor e pesquisador Carlos Fico destacou esse que chamou de “problema estrutural” do país, que muitos imaginavam, de forma equivocada, que seria resolvido com a redemocratização, a partir de 1985.

Fico lembrou, no início da exposição, que muitos apoiaram o golpe na expectativa de uma intervenção militar “breve”. Tanto que, a princípio, a eleição presidencial de 1965 foi mantida. Mas não houve eleição, nem o poder voltou para os civis. E muitos apoiadores se tornaram opositores. O pesquisador cita, inclusive, entidades como ABI, CNBB e OAB. Com isso, ele busca diferenciar o golpe em si da ditadura que veio em seguida.

Intervencionismo das Forças Armadas

Dessa forma, ao mesmo tempo em que observa não haver “fato novo” na historiografia de 1964, Fico lembra que o Brasil tem um “problema estrutural” que arranjos políticos não irão resolver. É justamente a persistência do intervencionismo militar. Ele observa que as Forças Armadas são necessárias e têm papel histórico importante, como ocorreu na 2ª Guerra, com a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Mas, ao mesmo tempo, as FAs têm ainda se consideram ter um papel de intervenção. E ainda entra o famoso artigo 142 da Constituição.

“Todas as crises institucionais brasileiras, desde a Proclamação da República até ontem (referência a 8 de janeiro de 2023), foram causadas por militares”, afirma o pesquisador. “E todas as intervenções militares se deram a partir de certos padrões recorrentes.” Um desses padrões, acrescenta, é a visão de que as Forças Armadas têm certa “licença” para intervir, com base na atual e em Constituições anteriores.

Decisão do STF derruba tese

“O artigo 142 não permite intervenção militar. Eu sei disso, o ministro Fux, o ministro Dino…”, diz Fico, defendendo uma revisão do texto constitucional. Moderador do debate, o presidente da SBPC, o ex-ministro Renato Janine Ribeiro, manifestou apoio à ideia. Na última segunda-feira (1º), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria contra esse visão de “intervencionismo” ou de “poder moderador” que alguns ainda insistem em atribuir às Forças Armadas.

Janine também destacou a falta de memória em relação aos acontecimentos da história brasileira. “Infelizmente, as marcas da barbárie continuam vivas. (…) O fato de não ter sido feito um ajuste de contas, um trabalho de memória criterioso, rigoroso, permitiu que ressurgisse a ameaça da tirania, da ditadura.”

Perseguições mesquinhas e o “ficaporte”

A jornalista e tradutora Rosa Freire d´Aguiar comentou sobre as perseguições “mesquinhas, arbitrárias”, sofridas pelos exilados. A tal ponto que, em determinado momento, a representação diplomática brasileira avisou que só seria possível obter ou renovar passaporte mediante recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Foi o que aconteceu, por exemplo, com Magdalena Arraes, mulher de Miguel Arraes, que só conseguiu renovar seu passaporte ao obter mandado de segurança.

Isso aconteceu também com o economista Celso Furtado, com quem Rosa se casou. O ex-presidente da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) estava longe de ser ligado a um partido extremista, e ainda mais da luta armada, mas mesmo assim tinha seguidos problemas para obter documentos. Rosa contou que os exilados usavam a expressão “ficaporte”: um passaporte que não permitia ir a lugar nenhum.

Confira abaixo a íntegra do debate promovido pela SBPC, realizado na segunda-feira (1º), na data de 60 anos do golpe. Também participaram a professora Helena Serra Azul Monteiro (Universidade Federal do Ceará) e o jornalista Cid Benjamin.


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