Reparação

Estado brasileiro pede desculpas a povos indígenas por perseguição durante a ditadura

É a primeira vez que a Comissão de Anistia analisa e aprova reparação coletiva. Presidenta do colegiado se ajoelhou diante de líder indígena

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Diante de líder indígena Krenak, a presidenta da Comissão de Anistia se ajoelha para pedir perdão, em nome do Estado

São Paulo – De joelhos, a presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, pediu desculpas aos indígenas em nome do Estado brasileiro. Foi a primeira vez que o colegiado analisou e aprovou pedido de reparação coletiva – até então, os casos eram apenas individuais. A sessão desta terça-feira (2) formalizou anistia – e o pedido formal de desculpas – aos povos Krenak, de Minas Gerais, e Guyraroká, de Mato Grosso do Sul.

O Ministério Público Federal (MPF) propôs as ações nesses estados. Em ambos os casos, foram rejeitadas pela comissão em 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro. O MPF recorreu, e agora o pedido foi reconhecido, conforme voto do conselheiro Leonardo Kauer.

Perdão pelo sofrimento

“Peço permissão para me ajoelhar com a sua bênção. Em nome do Estado brasileiro, eu quero pedir perdão por todo sofrimento que o seu povo passou. A senhora, como liderança matriarcal dos Krenak, por favor, leve o respeito, nossas homenagens e um sincero pedido de desculpas para que isso nunca mais aconteça”, afirmou a professora Eneá diante da liderança Djanira Krenak, que realizou um ritual de bênção durante a sessão.

Em nome da ministra Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Jecinaldo Sateré Cabral, da etnia Sateré-mawé, do Amazonas, lembrou que este 2 de abril “ficará marcado como o dia em que os povos indígenas finalmente terão o reconhecimento e a reparação”. “Muitos povos foram vítimas de remoções forçadas ou contaminações intencionais ou acidentais. Uma sociedade sem memória apaga sua história. Sem histórias, as culturas não têm como sobreviver. E sem a cultura se perde a identidade.”

Línguas se perderam

A presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, ressaltou a importância do reconhecimento da população indígena como parte da sociedade. “Nós sabemos de onde viemos e, com essa memória, nós sabemos para onde queremos ir. (…) A gente quer trazer mais povos, para serem visibilizados também.”

Existem vários povos e várias línguas, lembrou a presidenta da Funai. Parte delas se perdeu. Segundo Joenia, de 305 povos identificados, há apenas 274 línguas faladas. Os indígenas somam 1,7 milhão, segundo o IBGE. Mas já foram em torno de 5 milhões.

Remoções forçadas

Indígenas das duas etnias foram perseguidos e obrigados a deixar suas terras durante ditadura militar. Além dos deslocamentos forçados, foram torturados e confinados ao que se chamou de “reformatório Krenak”. O pedido não inclui reparação financeira, mas pode ajudar na formulação de direitos, como retificação de documentos, inclusão no SUS ou mesmo em relação à demarcação de terras.

“É impossível pensar em reparação sem pensar em demarcação”, afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG). “É importante pedir perdão, mas é importante sobretudo não continuar assassinando os povos indígenas, pois a reparação, neste momento, é pensar na demarcação.”

Políticas de Estado

Para ela, mudaram as armas, mas o genocídio e o “ecocídio” continuam. A quem os chama de atrasados, a deputada afirmou que atrasado é o Estado brasileiro, “que só agora, em pleno 2024, vem pedir perdão aos povos indígenas pelas mortes e atrocidades cometidas contra nós na ditadura”.

Assessor especial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Nilmário Miranda lembrou dos 60 anos do golpe, completados ontem (1º). E reafirmou compromisso com a memória e a verdade.

“Para nós é uma política de Estado. Assim como mortos e desaparecidos, seja análise de ossadas, que estão em vários lugares, seja centros de memória, seja retificação de atestados de óbito. Vamos também retomar as recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Das 29, só duas foram cumpridas.” Além disso, o ex-ministro Nilmário adiantou que haverá outras reparações coletivas, envolvendo, por exemplo, comunidades quilombolas e camponeses.


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