Sem dinheiro?

Bolsonaro não paga despesas do país para criar tumulto e por temer investigação, diz economista

Enquanto o governo federal faz cortes orçamentários que comprometem o funcionamento de universidades, há dinheiro em caixa, mas Bolsonaro tem medo de tornar evidente desvios para o orçamento secreto, avalia Mônica de Bolle

Antonio Cruz/ABr
Antonio Cruz/ABr
"Bolsonaro gosta de um tumulto e principalmente de criar tumulto para os outros. Nada melhor para ele do que entregar um mega tumulto para o próximo presidente. Essa é uma razão", avalia economista

São Paulo – É falso o argumento usado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) de que faltam recursos orçamentários nas áreas de educação e saúde, entre outros setores da administração pública que estão com as atividades rotineiras ameaçadas por conta dos cortes de verbas. 

De acordo com a economista Mônica de Bolle, PhD na área e professora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o governo federal tem dinheiro para repassar às universidades federais, assim como pagar pelas bolsas de pesquisas da Capes e de médicos residentes, como também financiar os remédios do programa Farmácia Popular. A economista calcula que a União tenha atualmente quase R$ 2 trilhões para utilizar em caixa. 

O montante soma pouco mais de R$ 1,595 trilhão declarado, em outubro, na “conta única” do Tesouro, que é o dinheiro que o Brasil tem depositado no Banco Central. O país conta ainda com cerca de R$ 366,4 bilhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Além do dinheiro que o governo federal tem em outras contas bancárias, distribuídas pelo sistema. Favorecido pela inflação, que fez disparar o preço dos serviços, o Brasil ainda bateu recorde, em outubro, de arrecadação de impostos, ao somar R$ 205,4 bilhões. O maior valor para o mês em 28 anos, de acordo com a Receita Federal. 

Teto de gastos é ficção

No entanto, o governo Bolsonaro “não está pagando o que deve pagar” e suspende as bolsas de pesquisas, deixando os alunos “na penúria”, “para criar tumulto”, nas palavras de Mônica de Bolle. A especialista explica que, de fato, o teto de gastos cria uma restrição nesse caso. Aprovado em 2016 pelo governo de Michel Temer (MDB), o teto impõe um contingenciamento às despesas do governo que só podem crescer, a cada ano, o equivalente à inflação acumulada em 12 meses. Ou seja, ainda que a arrecadação cresça acima do esperado, como neste ano, a União não pode usar o dinheiro excedente para fazer frentes a gastos, ainda que urgentes. 

Mas Mônica destaca que o teto de gastos é também uma medida “ficcional”. “Porque o governo pode perfeitamente em situação como essa, e isso é permitido inclusive pelo próprio teto de gastos, fazer uma medida provisória e por meio dessa medida provisória, que é um decreto, autorizar os pagamentos necessários. O governo pode fazer isso”, ressalta. 

O próprio governo Bolsonaro, ao longo de 2019 e 2022, violou a regra fiscal num total de R$ 794,9 bilhões, conforme mostrou um levantamento do economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Parte desse “estouro” foi usado inclusive para financiar medidas eleitoreiras às vésperas do pleito neste ano. Mas agora, a gestão bolsonarista escolhe bloquear os recursos de áreas sociais.

Tumulto e medo

“Ele está fazendo isso provavelmente por dois motivos”, comenta a economista. “O primeiro, que a gente já conhece, porque vimos na pandemia, Bolsonaro gosta de um tumulto e principalmente de criar tumulto para os outros. Nada melhor para ele do que entregar um mega tumulto para o próximo presidente. Essa é uma razão. A segunda razão é medo. Ele tem medo de ser investigado se ele fizer por Medida Provisória. O que precisa ser feito porque, afinal de contas, alguém vai querer saber para onde foi o dinheiro. A gente sabe que ele foi embora pelo ralo do orçamento secreto, mas alguém vai investigar isso”, observa. 

Em artigo, o jornalista Lauro Veiga Filho, colaborador do jornal Valor Econômico, destaca que os cortes na educação e na saúde “fazem parte de uma política de desmonte perseguida desde o governo Temer, quando foi instituído o moribundo ‘teto de gastos'”. Houve um salto, segundo o especialista, de 87,31% em termos reais com as despesas discricionárias – que incluem gastos como conta de luz, aluguéis e compras de equipamentos e serviços. Foram gastos R$ 31,5 bilhões a mais no trimestre encerrado em agosto deste ano.

Mas esses desembolsos, embora possam vir a ser qualificados como ilegais por visar interesses eleitorais, de acordo com Filho, “não quebraram o Estado brasileiro”. A atual situação, expõe, na verdade, às más escolhas feitas pelo governo Bolsonaro. Como a destinação de R$ 16,6 bilhões ao chamado “orçamento secreto”, criado pelo presidente em exercício para angariar apoio no Congresso de políticos do “centrão”. O montante, destinado sem qualquer transparência, equivale a mais de seis vezes o orçamento do programa Farmácia Popular. Uma reportagem do g1 também mostra que o dinheiro é mais do que o dobro previsto para as despesas discricionárias das universidades federais.

Pós-graduandos paralisados

Diante dos cortes, as instituições de ensino superior públicas já anunciaram nesta semana que não terão dinheiro para pagar contas de luz, água, serviços de limpeza e segurança que vencem neste mês de dezembro. Foram bloqueados R$ 1,4 bilhão na Educação, sendo que desse valor, R$ 344 milhões são das contas das universidades. O corte impossibilita ainda o pagamento de 14 mil médicos residentes de hospitais federais universitários e de mais de 100 mil bolsistas da Capes. 

Para a maioria deles, as bolsas de pesquisa são a única fonte de renda, uma vez que o trabalho demanda dedicação exclusiva. “Temos inclusive ciência de vários pós-graduandos que estão tendo que voltar para suas casas, porque eles não conseguem se sustentar perto das universidades. É esse o cenário que está colocado, diversos deles em vulnerabilidade social”, denunciou à RBA o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduando (ANPG), Vinícius Soares, nesta quinta-feira (8). Uma greve nacional foi convocada pela categoria para hoje em protesto contra os cortes na Educação. 

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima