Autor de denúncias diz que governistas tinham o dobro de emendas em São Paulo

Pivô do escândalo de vendas de emendas contesta lista divulgada pelo Executivo. Ele explicou obras indicadas por ele e executadas por empresa de sua irmã

Barbiere disse que não tem relação alguma com o governo (Foto: Divulgação /Arquivo)

São Paulo – O deputado estadual Roque Barbiere (PTB) afirma ser alvo de “fogo amigo” de membros do governo Geraldo Alckmin (PSDB), em cuja base seu partido permanece. Ele comparou sua relação atual com o Executivo paulista com a que “mantém com o planeta Marte” e contou que, até o ano passado, os deputados da base governista tinham garantido o dobro de recursos que os demais por meio das emendas.

O deputado foi o pivô das denúncias sobre vendas de emendas parlamentares em São Paulo. Ele sustenta, há dois meses, que 25% a 30% dos parlamentares da Assembleia Legislativa vendiam sua cota de emendas em troca de parte dos recursos, devolvidos por ONGs e prefeituras por meio de empreiteiras. Barbiere chegou a cogitar deixar a base de Alckmin, por considerar que estava sendo tratado como um “leproso politicamente”.

Em nova entrevista à Rede Brasil Atual, Barbiere conta que, até o ano passado, os deputados da base de apoio do governo conseguiam empenhar R$ 4 milhões anuais, valor duas vezes maior do que o dos demais parlamentares. Como a lista de emendas permaneceu oculta desde a criação do mecanismo, em 2006, até outubro deste ano, a informação permanecia em sigilo, apesar de ser conhecida pelos aliados das gestões tucanas. “Era aquela listinha que a gente levava lá: ‘Essa aqui é emenda, essa aqui é indicação’, mudava só o nome. Nenhuma era emenda, emenda vai ser agora”, disse.

Em outro trecho da entrevista, ele apresentou sua versão sobre a revelação de que a construção de uma Unidade Básica de Saúde na cidade de Valparaíso (SP) – a 563 quilômetros de São Paulo – foi executada com recursos estaduais. Ele foi acusado de ter destinado verbas para a prefeitura, que contratou a empresa da irmã de Barbiere, Elena Maria, e do marido dela, Luiz Carlos Jorge.

Barbiere garante que o recurso não foi oriundo de emenda parlamentar, embora tenha interferido no caso. Segundo ele, o recurso foi transmitido para o município, e o prefeito foi o responsável por entregar a obra para a empresa. Barbiere afirma ter tomado conhecimento do caso apenas depois de ter sido revelado pela imprensa. “O prefeito, na época, era meu amigo, e não sei por que ele foi dar a obra para o meu cunhado; não achei isso elegante”, alega.

Ele também revelou o trabalho de uma testemunha que poderia denunciar alguns parlamentares que participavam do esquema de venda de emendas. “É uma ex-assessora de vários deputados que formavam um grupinho e faziam esse esquema”, falou.

Leia abaixo a íntegra da entrevista de Roque Barbiere:

Como foi a história dessa suposto repasse de verba para Valparaíso, onde sua irmã teria assumido a obra? Foi emenda?
Não, não foi emenda. Eu não me recordo se isso veio de uma conversa, em 2007, com o então secretário da Saúde (Luís Roberto Barata Barradas) ou se foi com o governador (José Serra) nessas viagens que ele faz para o interior. Mas fui eu sim que intermediei essa verba para fazer a UBS em Valparaíso. O prefeito, na época, era meu amigo, e não sei por que ele foi dar a obra para o meu cunhado, eu não achei isso elegante.

Ele deu a obra sem o sr. saber?
Sim, sem eu saber, estou sabendo agora que meu cunhado fez obra lá. Eu não converso com meu cunhado há mais de dez anos. Eu devo ter ajudado tanto ele, que ele está quebrado, segundo a reportagem está devendo na farmácia, nas loja de materiais de construção.

Acha que isso é fogo amigo?
Eu tenho certeza que é, mas não vai me pegar porque eu não vendi emenda.

Por que acha que é fogo amigo?
Porque isso não foi emenda, se fosse emenda, todo mundo podia pegar no quadro, explorar e entender como quiser. Agora, o que foi conseguido através de intermediação, sem emenda, não é público, então quem sabe disso? Eu, o governo e o prefeito da época; eu não falei, o prefeito da época não falou, de onde pode ter saído?

Então é uma indicação que vazou do governo?
Isso, só pode ter sido.

Há duas semanas, o sr. disse que ninguém o havia procurado. Até hoje não conversou com ninguém?
Tenho com o governo a mesma relação que tenho com o planeta Marte, até agora nenhuma. E eu também não o procurei.

Por que o governo pouco se pronunciou até agora sobre esse caso?
Eu acho que eles conduziram mal o processo todo. O presidente da Assembleia (Barros Munhoz) me mandou para o lugar errado – o Conselho de Ética. Entendo que pelo regimento ele deveria me ouvir primeiro, me mandar para a corregedoria, e entendendo que havia procedência em minhas denúncias, instalar a CPI, que eu assinei. Aí sim, após comprovarem na CPI que eu falei a maior calúnia do mundo, me punir. E se chegasse a algum denunciado, punir a ele no Conselho de Ética. O Conselho é a última instância, não a primeira.

Como foi seu depoimento no Ministério Público?
Eu fui muito bem tratado, o promotor (Carlos Cardoso) foi muito educado comigo, e quando eu falei de levar a testemunha e só pedir o sigilo para ela, que é natural, ele ficou de estudar a possibilidade. No momento ele disse que não podia me garantir esse sigilo, que ele estaria faltando com a verdade, me iludindo.

Não revelou nenhum nome a ele?
Não revelei por causa disso.

Sem revelar o nome, o que faz essa testemunha?
É uma ex-assessora de vários deputados que formavam um grupinho e faziam esse esquema.

Trabalhava na Assembleia?
Sim, trabalhava aqui.

O que mais conversou com o promotor?
Tem uma coisa que eu conversei com ele que todo mundo sabe. Quem apoia o governo não tem R$ 2 milhões, tem R$ 4 milhões. Era aquela listinha que a gente levava lá: “Essa aqui é emenda, essa aqui é indicação”, mudava só o nome. Nenhuma era emenda, emenda vai ser agora.

Mas havendo a continuidade, essa chamada listinha, a possibilidade de vender emendas vai continuar?
Isso, pode continuar a venda. E ele não tem como aprovar os R$ 4 milhões no Orçamento, porque ele vai ter de dar esse valor para todo mundo.

Mas agora pelo menos os R$ 2 milhões vão estar garantidos?
Sim, agora é a primeira vez que vai ter emenda mesmo. Antes era indicação, era uma lista. Isso para a gente era uma esmola.