Nunca mais

Atos para lembrar os 60 anos do golpe começam na usina onde corpos de presos foram incinerados

Ativistas e entidades fizeram manifestação em Campos dos Goitacazes (RJ), local de triste lembrança. “Dia de renovar a esperança”

Divulgação
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São Paulo – Uma área de triste lembrança foi o cenário escolhido para dar início às atividades que lembrarão os 60 anos do golpe, a se completar em 1º de abril do ano que vem. Na última quarta-feira (6), ativistas e representantes de várias entidades foram até o local onde funcionava a Usina Cambahyba, em Campos dos Goitacazes (RJ). Ali, segundo relatos, durante a ditadura foram incinerados corpos de presos políticos.

“Não é um dia de ficar cultivando sofrimento, é um dia de renovar a esperança de que o nosso país não merece ser um país dividido por religião, ódio político, ódio religioso. Isso não é o Brasil”, afirmou Nilmário Miranda, ex-secretário nacional de Direitos Humanos e atualmente assessor especial no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Os participantes fizeram uma caminhada do acampamento Cícero Guedes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), até a área dos fornos, onde deverá ser erguido um memorial – o local se encontra em processo de tombamento. O governo também deverá destinar uma área para assentar os sem-terra. Cícero foi um trabalhador libertado de situação análoga à escravidão em lavoura de cana, em Alagoas. Migrou para Campos e integrou o MS.

Local de memória

Uma das vítimas levadas para incineração – fala-se em pelo menos 12 – seria Fernando Santa Cruz, pai do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz. No governo anterior, o então presidente, defensor da ditadura, chegou a ironizar o caso.

“Estamos vivendo hoje um fato histórico da maior importância para todos nós que lutamos pela democracia, pela liberdade”, afirmou Marcelo, irmão de Fernando. “Queremos que o forno da usina se torne o local da memória da verdade, da justiça, da reparação, da reforma agrária (…) que vai homenagear todos aqueles que foram mortos aqui na usina. Não somente os 12 heróis do povo brasileiro, mas também os camponeses que foram assassinados.”

Guerra suja

Outro participante foi o professor Eduardo Prestes, neto de João Massena, ex-vereador e deputado, dirigente do PCB, preso, torturado e desaparecido desde 1974. Ele seria mais um dos incinerados, assim como Ana Rosa Kucinski, irmã do jornalista e escritor Bernardo Kucinski.

A descoberta sobre o uso da Cambahyba veio por meio do ex-delegado do Dops Cláudio Guerra. Ele fez a revelação em depoimento para os jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, para o livro Memórias de uma Guerra Suja (2012). Assim, em junho, a Justiça Federal de Campos condenou Guerra a sete anos de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de ocultação de cadáver. O Ministério Público Federal, que ajuizou ação penal relativa aos 12 militantes, apresentou denúncia contra ele em 2019.

Com informações do Folha1 e do MPF