Reta final

Dilma consolida liderança e espera Aécio ou Marina para segundo turno, se houver

Presidenta mantém trajetória de alta. Ascensão de Aécio e queda de Marina acirram disputa e tornam indefinido segundo lugar. E PT aposta ainda em militância para superar diferença que evite segundo turno

Fotos Públicas

Dilma chegou a 46% do votos válidos, segundo Ibope divulgado ontem. Aécio alcançou 27% e Marina, 24%

São Paulo – As pesquisas de intenção de voto chegaram ontem (4) à véspera da eleição, enfim, convergindo. Dentro do que chamam de margem de erro, todas podem estar certas, ao menos na eleição presidencial. Se errarem, tenderão a errar juntas, e nesse caso seria por força da capacidade do eleitor de surpreender. A conferir a convergência dos levantamentos, a presidenta Dilma Rousseff (PT) está próxima da reeleição, e teria ainda chance de resolver a fatura já neste domingo de primeiro turno.

Para o Ibope e para a CNT/MDA, bastaria-lhe superar hoje uma diferença de quatro pontos percentuais que a separam da soma dos demais candidatos (tem 46% dos válidos). Para o Vox Populi, que faz o tracking interno para o PT, a projeção é similar. E para o Datafolha, esse salto necessário seria de seis pontos (tem 44% dos válidos).

Assim como não se tornou possível apostar em quem passará para um eventual segundo escrutínio, se houver. Outro fenômeno em que as pesquisas convergiram, numa margem mais apertada ainda, foi a recuperação de Aécio Neves (PSDB), proporcional à queda de Marina Silva (PSB). Embora ambos tenham chegado até aqui tecnicamente empatados dentro das margens de erro, o tucano pela primeira vez superou numericamente a substituta de Eduardo Campos desde a tragédia que o tirou da disputa – 26% no Datafolha e 27% no Ibope e na MDA, contra 24% dela nos três institutos.

Opção editorial

Desde o início de setembro, a RBA abriu mão de divulgar cegamente os números divulgados pela imprensa corporativa. Não há nenhum elemento específico que nos permita acusá-los de desonestos. Ao contrário. O autor deste post conversou com sociólogos e cientistas políticos ligados a diferentes institutos, que por força de compromisso profissional pedem reserva. Todos atestam a validade das metodologias, e põem mais suspeição à forma como as questões são elaboradas e apresentadas aos entrevistados e, sobretudo, como são “trabalhadas” pelos veículos que as encomendam – em geral, a Rede Globo, associada a um jornal, ora Folha, ora Estadão.

Àquela altura, portanto, havia tantas discrepâncias entre os números que permitia a esta redação constatar que, ao divulgá-los cegamente, errados estaríamos nós ao levar ao leitor uma expectativa feita sob encomenda para a mídia comercial na qual não nos encaixamos.

“Pelo alto custo de realização, não existe quem possa fazer uma ou duas grandes pesquisas por semana sem a Globo. Os jornais se associam, mas sem a Globo não sai”, disse um dos entrevistados. “E aí há aspectos que podem ser levados em conta, junto com a análise dos números. Os veículos transformam as pesquisas em espetáculo, porque o espetáculo é o carro-chefe da audiência da imprensa brasileira. E além disso, não se pode deixar de lado o fato de que todos eles têm lado, conforme revelam suas coberturas.”

Outro especialista ouvido pela RBA observou que nem mesmo o fato de os números caminharem para uma convergência apenas na reta final venha a desautorizar a credibilidade nos institutos. “São as tendências que se acomodam conforme o eleitor vai se definindo”, assegura. “O importante é poder esmiuçar os números e entender o que explica essa definição, algo impossível de ser feito pela maioria das pessoas. O ideal seria ler as pesquisas como elas são, sem precisar ficar preso à forma como elas saem nos jornais”, diz o sociólogo.

Os jornais, porém, tratam os números como placar de Fla-Flu mesmo quando se está a meses da data do pleito, momento em que o mais correto é privilegiar os porquês daquelas intenções de voto. “Por exemplo, se o entrevistado está satisfeito com a vida, ou o que é preciso mudar para melhorar, que aspectos na vida pessoal e da vida nacional o agradam mais, o preocupam, ou satisfazem menos. São questões geralmente minimizadas, mas que poriam o eleitor a pensar, a ter um olhar mais crítico para as disputas, debates e argumentos. Mas os veículos guardam para si a análise mais apurada dos levantamentos, para servir de base ao modo como vão trabalhar suas pautas e manchetes”, diz um outro especialista. “Uma análise mais cuidadosa, por exemplo, poderia permitir a constatação que parte da aprovação do governador Geraldo Alckmin pode ser atribuída a uma sensação de bem-estar social pelo qual ele não é responsável. Por exemplo, o emprego estável, a renda em alta e a possibilidade de fazer plano”, observa.

Ajustes de conduta

Todos os especialistas ouvidos concordam, ainda, que a convergência de tendências (subida gradual e segura de Dilma, queda brusca de Marina e ascensão de Aécio) das pesquisas e também que explica a queda de Marina Silva foi uma sucessão de erros de sua campanha, que não conseguiu transformar em confiança consolidada do eleitor a posição privilegiada em que entrou na disputa: saiu da eleição anterior com um patrimônio elevado de votos; ficou fora dos holofotes que apontavam para a desqualificação generalizada da política; e teve tudo para atrair para si parte considerável do desejo de mudança expresso na opinião pública.

Mas errou. Em vez de defender com eficiência seu programa, optou por se fazer de vítima, como se fosse ela da situação, e não da oposição. A ineficácia na defesa de suas propostas suscitaram desconfiança do eleitorado mais conservador, por um lado. Por outro, o eleitor mudancista ficou atônito diante de seu conservadorismo, tanto em termos de direitos civis individuais, quando no que diz respeito a aspectos da economia – ela defendia a mudança, mas parecia, pior que não saber, esconder o que mudar. Perdeu, assim, em três de seus ecléticos perfis de eleitores: o antipolítico, mas antes de tudo antipetista; a classe média incluída e com sensibilidade ambiental, mas que prefere um Estado com papel menor em suas vidas (leia-se pagar menos impostos); e o eleitorado que via nela uma expectativa de mudança, entre eles a juventude e, inclusive, lulistas insatisfeitos com o estilo da presidenta.

Parte desses votos perdidos migrou para Aécio, o candidato natural do modelo econômico dos sonhos do sistema financeiro, mas que soube, nas últimas semanas, dosar melhor sua reação. Sem atacá-la com veemência, recuperou parte dos votos antipetistas sem querer correr o risco de perder os votos marinistas no segundo turno. Na TV, o diálogo com o eleitor passou a ser mais direto e a fala, mais firme. Antes, posava de bonzinho, com olhar sereno, desviado para o “além” e não para a câmera, e sorriso estático. Caso passe para o segundo turno, terá dificuldade de reinventar-se. Não terá como sustentar o debate com foco na corrupção e conviverá, na área econômica, com o confronto da comparação entre os feitos de seu partido na era FHC e os feitos da era Lula-Dilma.

A candidata do PT também conseguiu captar para si parte dos pontos percentuais perdidos por Marina. Mesmo porque Dilma mesma protagonizou a desconstrução da adversária, explorando as contradições do discurso e forçando-a o tempo todo a explicar seus compromissos na área econômica e sua fragilidade diante do desafio de governar sem base partidária e social. A presidenta dosou a distribuição de críticas aos adversários. Soube nos programas de TV recuperar parte da aprovação de sua gestão perdida após junho de 2013 e difundir uma expectativa de difícil construção: a de que o país deve manter o atual governo para continuar mudando. Conseguiu ainda capitanear o discurso contra a corrupção e em defesa de sua política econômica. Nos debates, ainda que com muitas vezes tropeçando na falta de fluência verbal, demonstrava ter “conteúdo”, combinando domínio da economia com investimentos sociais, contra “promessas”. Incorporar um discurso mais à esquerda sem pender para a demagogia e lançou ânimo para a militância.

E por ser o partido que mais pode contar com impulso de sua militância na reta final, ninguém ousou cravar, ontem, que o segundo turno é uma certeza. Além disso, há pelo menos duas outras grandes diferenças entre os maiores institutos de pesquisa que chamam pouca atenção por sua aparente desimportância numérica. Uma delas é que para o Datafolha, o índice de brancos, nulos e indecisos soma 9%; e para o Ibope, 12%. A segunda diferença pouco observada é que a soma dos votos válidos declarados aos demais candidatos que pontuam na parte de baixo (Pastor Everaldo, Luciana Genro, Eduardo Jorge, Levy Fidelix) chega a 7%, segundo o Datafolha e a apenas 3%, segundo o Ibope.

Para um segundo turno que depende de quatro a seis pontos percentuais para não acontecer, não é pouca coisa.