cinema e ativismo

Spike Lee abre Cannes e dispara contra Bolsonaro, Trump e Putin: ‘Gângsteres sem moral’

Cineasta antirracista é o primeiro afro-americano a presidir o júri no festival. Além de Bolsonaro, Spike Lee direcionou críticas a Trump, Putin e ao racismo das polícias

divulgação/festival de cannes
divulgação/festival de cannes
"O mundo está sendo governado por gângsteres. O Agente Laranja (se referindo ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump), o cara do Brasil (Bolsonaro) e Putin. São gângsteres e vão fazer o que quiserem", disse Spike Lee

São Paulo – Começou hoje (6) o festival de Cannes, na França. Uma das maiores e mais prestigiadas mostras de cinema do mundo tem como presidente do júri, neste ano, o diretor norte-americano Spike Lee. Lee é reconhecido por seu cinema de composições esteticamente marcantes e roteiros combativos que denunciam, especialmente, o racismo. Polêmico, o diretor abriu o dia com falas duras sobre questões políticas e raciais no cinema e em todo o mundo. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, entrou nas críticas do diretor de filmes aclamados como Faça a Coisa Certa (1989) e Infiltrado na Klan (2018). “O mundo está sendo governado por gângsteres. O Agente Laranja (referindo-se ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump), o cara do Brasil (Bolsonaro) e Putin. São gângsteres e vão fazer o que quiserem”, disparou. Aos 64 anos, Lee é o primeiro afro-americano a presidir o júri do festival.

Representatividade

Em uma de suas maiores obras, Faça a Coisa Certa, Lee trabalha seu roteiro de forma conectada e sensível para mostrar as faces do racismo nos Estados Unidos. Uma bola de neve leva uma comunidade de Nova York a vivenciar momentos trágicos que envolvem preconceito e violência policial. Sempre certeiro, Lee fez na abertura de Cannes um chamamento neste que é um dos microfones mais ouvidos do mundo. “Eles (os presidentes citados) não têm moral ou escrúpulos. Esse é o mundo em que vivemos e precisamos levantar a voz contra gângsteres como esses”, provocou.

Em 2018, o cineasta foi reconhecido pelo Grande Prêmio do Juri no festival por Infiltrado na Klan. O filme é protagonizado por John David Washington e Adam Driver, e conta a história real de um policial negro e seu colega judeu que se infiltraram no grupo supremascista branco norte-americano Ku Klux Klan. Por sua obra e seus posicionamentos, Lee carrega grande representatividade no mundo do cinema como um ativista antirracista e pela contínua luta pela garantia dos direitos civis.

A questão do racismo das polícias também esteve presente na declaração do cineasta. Ele lamentou que o cenário de relações raciais conflitantes e de brutalidade das forças de segurança não mudaram desde Faça a Coisa Certa. “Quando você vê o irmão Eric Garner, quando você vê o rei George Floyd, assassinado, linchado… pensaria, esperaria que trinta e tantos malditos anos mais tarde negros parariam de ser caçados como animais”.

O festival

Pela primeira vez em 74 anos de história, o juri oficial de Cannes é formado majoritariamente por mulheres. Elas são cinco, frente a quatro homens. Entre eles, destaque para o brasileiro Kleber Mendonça Filho. O cineasta recifense, assim como Lee, é um vencedor no festival. Em 2019, seu filme Bacurau ganhou o Grande Prêmio do Juri. Naquele ano, o prêmio máximo, a Palma de Ouro, ficou com o sul-coreano Parasita, do diretor Bong Joon-ho. Os dois filmes trouxeram às telas do mundo fortes críticas sociais relacionadas às crueldades e violações impostas pelo imperialismo e pelo capitalismo.

Neste ano, o cinema brasileiro ficou de fora das principais premiações. O sucateamento do setor audiovisual promovido pelo governo Bolsonaro reflete na redução das participações nacionais em grandes festivais. Assim foi em Berlim quando, mesmo com presença diminuta, os brasileiros mostraram a potência do cinema local. O filme A Última Floresta, de Luiz Bolognesi e Davi Kopenawa levou o prêmio do público. Mesmo a participação de Kleber Mendonça Filho no jurí oficial reforça a importância da produção brasileira.

Mesmo sem estar na briga pela Palma de Ouro, o cearense Karim Aïnouz marca presença na seleção oficial da mostra, com seu mais novo longa O Marinheiro das Montanhas (2021). O brasileiro é um dos maiores nomes do cinema nacional da atualidade. Em 2019, seu filme A Vida Invisível foi reconhecido com um dos principais prêmios de Cannes, o Um Certo Olhar. A obra apresenta os desencontros de suas irmãs separadas pelo machismo do patriarca ao longo de suas vidas. Delicado e sensível, o longa ainda conta com uma participação especial marcante de Fernanda Montenegro.

Os competidores

A Palma de Ouro deste ano será disputada por 24 filmes. Entre os diretores na competição, grandes nomes como Wes Anderson, Paul Verhoven, Leos Carax, Asghar Farhadi, Sean Pen e Apichatong Weerasethakul.

Confira alguns dos títulos de destaque:

  • Annette, de Leos Carax. O diretor do aclamado e criativo Holy Motors (2012) vem com um elenco de peso. O filme é protagonizado por Adam Driver e Marion Cotillard.
  • The French Disparatch, de Wes Anderson. Outro filme com elenco estrelado, traz entre muitos nomes Bill Murray, Adrien Brody e Tilda Swinton. Anderson é conhecido por trabalhar bem as cores em seus filmes, como O Grande Hotel Budapeste (2014), bem como a fotografia e o posicionamento de câmeras.
  • Tout s’est bien passé, de François Ozon. Um dos maiores cineastas da França apresenta seu mais novo longa adaptado do romance homônimo de Emmanuèle Bernheim.
  • Tre piani, de Nanni Moretti. O italiano volta ao circuito 20 anos após ser premiado por O Quarto do Filho (2001). Grande expoente do cinema italiano, Moretti já presidiu o júri em 2012.
  • A Hero, de Asghar Farhadi. Após reconhecimento internacional por densas obras como O Apartamento (2016) e A Separação (2011), Farhadi volta a filmar no Irã e promete um trhiller psicológico intenso.
  • Flag Day, de Sean Penn. O ator norte-americano apresenta sua mais nova obra como diretor sobre a vida dupla de um pai.
  • Red Rocket, de Sean Baker. Filme do circuito independente norte-americano apresenta no enredo o retorno de uma estrela pornô à sua casa, em um conservador estado do Texas.
  • Petrov’s Flu, de Kirill Serebrennikov. Inspirado em grandes nomes do cinema soviético como Andrei Tarkovsky, o russo flutua entre sonhos e realidade para mostrar a vida de um quadrinista pós fim da União Soviética.
  • Memoria, de Apichatpong Weerasethakul. O jovem diretor tailandês de obras cultuadas como Uncle Boonmee (2010) e Hotel Mekong (2012) volta com Tilda Swinton para filmar uma história surrealista de uma orquidófila na Colômbia que começa a ouvir sons estranhos.
  • Titane, de Julia Ducournau. O longa é protagonizado por Vincent Lindon e conta o retorno de um menino desaparecido há 10 anos e o reencontro com seu pai.
  • Bergman Island, de Mia Hansen-Love. Com Tim Roth como protagonista, a história fala sobre um casal de cineastas e sua convivência em uma ilha que inspirou o mestre do cinema sueco Ingmar Bergman.