17 anos dos crimes de maio

Vítimas da violência policial, Mães de Maio cobram reparação e justiça

Comitiva de mães pediu celeridade ao PL que cria a “Lei Mães de Maio” e estabelece programa de acolhimento às vítimas da violência institucional. “São 17 anos dos crimes e o Estado não reparou”, lamentou representante do movimento Mães de Maio

Olívia Soulaba/Movimento Mães de Maio
Olívia Soulaba/Movimento Mães de Maio
No mês passado, o maior massacre da história recente, que resultou no assassinato de 505 civis em São Paulo, completou 17 anos

São Paulo – Em memória de Vera Lúcia Gonzaga dos Santos, a fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, Débora Maria da Silva cobrou de membros do alto escalão do governo federal e de parlamentares, nesta semana, em Brasília, celeridade à aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.999/2022, que cria a “Lei Mães de Maio”.

No mês passado, o maior massacre da história recente, que resultou no assassinato de 505 civis em São Paulo, incluindo o filho de Débora, Edson Rogério Silva dos Santos, completou 17 anos, sem resposta às famílias das vítimas ou a devida responsabilização do Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos cometidas. Na época, em revide a ataques praticados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que mataram 59 agentes, as forças policiais executaram mais de 500 pessoas, todos pobres, negros e periféricos.

Os crimes de maio também tiraram a vida de Ana Paula, grávida de nove meses, e de seu companheiro Eddie Joey, filha e genro, respectivamente, de Vera, lembrada logo no início de audiência pública por Débora. Juntas, elas fundaram o movimento mas, em 2018, Verinha morreu sob suspeita de suicídio. Tese endossada pelas companheiras de luta devido a quadros de depressão que Vera enfrentava por conta do assassinato da filha e genro.

‘Reparação é o mínimo’

Diante de uma plateia com pelo menos outros seis coletivos de mães e familiares de vítimas da violência policial em tragédias seguidas aos crimes de maio, que acompanhavam audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, a ativista pelos direitos humanos denunciou esse “país produtor de Mães de Maio” e exigiu justiça pelas vítimas. “Nós estamos falando de 17 anos de luta pelos crimes do massacre de maio. E o Estado não reparou e fez com que essas mães enterrassem outras mães. (Mas) estamos aqui para dizer que queremos um novo Brasil, uma nova sociedade”, destacou.

Débora lembrou que o PL 2.999 é ainda “o mínimo que o Estado brasileiro pode fazer” por essas mães. De autoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), a legislação estabelece um Programa de Enfrentamento aos impactos da violência institucional e revitimização de mães, familiares das vítimas e/ou vítimas sobreviventes de ações violentas, por meio da atenção social integral. Entre suas diretrizes, o projeto prevê suporte institucional integral e multidisciplinar, bem como reparar, coibir e prevenir a violência institucional contra crianças, adolescentes e jovens.

O projeto também determina ao poder público que adeque as políticas para atendimento prioritário dessas mães, sobretudo no aspecto psicológico, médico, na assistência social e jurídica.

“Eu convido essa Casa, essa Comissão, os deputados a darem coragem para nós exumar o corpo da nossa companheira que morreu sem esse atendimento. É o mínimo. Nós precisamos desse atendimento porque a polícia continua matando nossos filhos. E a gente segue assistindo na televisão, a normalidade de vidas negras, pobres, moradoras de favelas e periferias que não têm valor para essa espécie de pessoas que se dizem ‘humanas e cidadãos de bem'”, contestou a fundadora do Mães de Maio.

A Lei Mães de Maio

Inspirado na luta dessas mulheres, o PL 2.999 “introduz a lógica da justiça de transição que o Estado brasileiro deve a nossa gente, sobretudo ao nosso povo pobre, preto e da periferia que é alvo principal dessa ação brutal do Estado através das forças policiais”, destacou seu proponente, o deputado Orlando Silva. O projeto também foi elaborado por entidades da sociedade civil como a Conectas Direitos Humanos e a Defensoria Pública, que participaram da audiência na última quarta (31).

A defensora Fernanda Balera ressaltou que “quem é vítima da violência de Estado sofre uma violência ainda maior porque o Estado é quem deve proteger e garantir nossa segurança”, observou.

“Então quando o Estado mata, esse trauma é muito mais profundo. E a gente percebe, acompanhando as famílias, que os efeitos desse trauma também são amplificados. Porque, para além desse ato de violência, tem uma falta de atuação dos órgãos investigatórios, uma criminalização das vítimas e tem a impunidade que costuma acompanhar essa experiência, fazendo com que o trauma só se prolongue no tempo. E aí, somado a isso, não temos medidas de reparação. Então essa é a importância da aprovação de um projeto de lei como esse. Para que seja construído um programa de enfrentamento com atenção de fato multidisciplinar e que enfrente o racismo estrutural e a letalidade policial para que a gente possa viver numa democracia real”, justificou a defensora.

Dívida do Estado

Durante a audiência, também se somaram às Mães de Maio, mulheres que perderam seus filhos no Rio de Janeiro, Minas Gerais e em outros massacres, como o de Paraisópolis e Osasco, em São Paulo. “Vocês não têm ideia do que nós aguentamos, do que nós temos que ver e o governo não vê”, lamentou Zilda Maria de Paula, do Movimento Mães de Osasco, que perdeu o filho Fernando Luis de Paula em chacina em agosto de 2015.

A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), que presidiu a audiência Pública, endossou a fala das mães, chamando atenção para a urgência na aprovação da Lei Mães de Maio. De acordo com a parlamentar, essa é uma “dívida que o Estado tem com estas mulheres”. Ela pondera, contudo, “que nada paga, repara a perda de um filho”. E o que se busca com o PL “é o mínimo. Pensar em mecanismos para frear essa violência. Não há projeto que tire a dor, nada que arranque a dor (das mães), mas é preciso dar resposta à ela”, explicou.

Um plano de redução da letalidade policial também foi cobrado pelo secretário nacional de Acesso à Justiça, Marivaldo de Castro Pereira. “Tem que ter câmeras, mas o controle externo da atividade policial (também) tem que funcionar. Ninguém quer punir o bom policial. A gente quer prestigiar o bom policial. Porque quando não tem fiscalização e punição, quem paga é o bom policial que acaba levando a culpa pelo mau policial”.

Promessa do governo federal

Pereira ainda advertiu que é “a impunidade que leva uma proliferação das mortes. Essa impunidade que leva e faz com que cada vez cheguem mais mães porque, muitas vezes, o policial que mata é o que mata muitas vezes”, comentou o secretário que também prometeu empenho do Ministério da Justiça na pauta.

Os relatos de dor também foram levados pela comitiva de mães ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, com quem se reuniram na última quinta (1º). Durante o encontro, Dino se solidarizou com as famílias e anunciou o acompanhamento da investigação dos casos pela pasta. A ideia, segundo o governo federal, é estruturar um programa com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para o acompanhamento dos inquéritos na busca por celeridade nos processos.

O ministro também falou na criação de um programa nacional do governo federal para indenizar as famílias, garantir assistência psicológica para mães e familiares ligados às vítimas. “O que importa aqui é vocês saírem com a certeza absoluta que esse tema é nosso, esse tema é do presidente da República. Por isso, vocês têm a garantia de que a gente vai fazer o máximo possível, que ainda é pouco diante da perda de um filho”, afirmou Flávio Dino.