Injusto

Pobreza e informalidade refletem desigualdades históricas, aponta o IBGE

Em 2022, diferença entre ocupados registrados e informais foi a menor da série. Negros têm as ocupações de menor remuneração

Acervo IBGE
Acervo IBGE
Havia, em 2022, 12,7 milhões na extrema pobreza e 67,8 milhões na pobreza

São Paulo – De 2021 para 2022, caiu o percentual de ocupados com vínculo empregatício (48% para 47,6%) e aumentou a participação dos trabalhadores sem carteira e por conta própria (de 45,6% para 46,4%). Os dados constam da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada nesta quarta-feira (6) pelo IBGE. Com isso, a diferença na participação entre as duas categorias de ocupação (1,2 ponto percentual) é a menor da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, iniciada em 2012.

“Esse dado revela o crescimento da participação das ocupações socialmente menos protegidas na estrutura do mercado de trabalho brasileiro, situação distinta da verificada na primeira metade da década, especialmente em 2014, quando tal diferença foi a maior, em favor das ocupações com vínculo”, observa o gerente da pesquisa, João Hallak. Assim, em 2014, a diferença era superior a 10 pontos percentuais: o percentual de ocupados com vínculo foi de 51,9%, ante 41,2% dos sem carteira e trabalhadores por conta própria. 

Ocupações informais

De acordo com o IBGE, a proporção de trabalhadores em ocupações informais “reflete desigualdades historicamente constituídas, como a maior proporção de pessoa de cor ou raça preta ou parda em posições na ocupação de empregados e trabalhadores domésticos, ambos, sem carteira de trabalho assinada, além de trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social”. No ano passado, 40,9% dos trabalhadores estavam em ocupações informais.

Mas a participação fica bem acima da média entre mulheres pretas ou pardas (46,8%) e homens pretos ou pardos (46,6%). E bem abaixo entre trabalhadoras de cor branca (34,5%) e homens brancos (33,3%). É um comportamento que se repete em toda a série histórica.

Segregação racial no mercado

A distribuição dos ocupados reforça essa diferença. Segundo o IBGE, “o recorte por atividade econômica revela a segmentação das ocupações e a rigidez da segregação racial no mercado de trabalho”. A proporção de trabalhadores pretos ou pardos é acentuada na agropecuária (62%), na construção (65,1%) e nos serviços domésticos (66,4%), atividades com rendimentos inferiores à média. Por outro lado, atividades com rendimentos médios mais elevados – informação, financeira –, além de administração pública, entre outros, têm maior presença de brancos.

Além disso, os ocupados de cor ou raça branca ganhavam no ano passado, em média, 64,2% mais do que as de cor ou raça preta. Os valores eram de R$ 3.273 e R$ 1.994, respectivamente. No recorte por gênero, os homens (R$ 2.838) ganhavam 27% a mais que as mulheres (R$ 2.235). Mas as mulheres brancas (R$ 2.858) recebiam mais, em média, do que os homens pretos ou pardos (R$ 2.230).

Cai a participação do trabalho no PIB

Ainda de acordo com a SIS, a participação da remuneração dos trabalhadores no PIB chegou a 39,2% em 2021, a menor desde 2010. Há tendência de queda de 2016 (pico de 44,7%), após trajetória de crescimento iniciada em 2010. “Podemos atribuir esse resultado à queda do nível de ocupação e ao aumento da informalidade e seus impactos nos rendimentos médios e na massa de rendimentos”, diz Hallak.

Por sua vez, o percentual de pessoas em extrema pobreza (que viviam com menos de R$ 200 por mês) caiu para 5,9% em 2022, após atingir 9% em 2021. Já a proporção de pessoas em situação de pobreza (aquelas que viviam com até R$ 637 por mês) caiu de 36,7% para 31,6%. Havia, em 2022, 12,7 milhões na extrema pobreza e 67,8 milhões na pobreza.

Linha de pobreza

Nos parâmetros anteriores, os percentuais de pessoas em extrema pobreza (5,2%) e pobreza (24,1%) seriam menores, porém, o movimento apresentado na série histórica é o mesmo, com aumento de 2020 para 2021 e queda entre 2021 e 2022. Além disso, observa-se que a atualização da linha impactou mais o percentual de pessoas na pobreza do que na extrema pobreza.  

“Na linha de extrema pobreza não há uma diferença significativa entre os valores da linha antiga e da linha atualizada ao longo da série, pois ela é basicamente de consumo para subsistência e sua atualização se dá principalmente por uma questão de preços”, afirma o analista André Simões. “Já a linha de pobreza mostra uma diferença maior, ligada a dinâmica do rendimento e padrões de consumo mais heterogêneos de países de renda-média alta”, acrescenta. Com 27% da população brasileira, a região Nordeste concentrava 43,5% das pessoas na pobreza e 54,6% daquelas em extrema pobreza.

A desigualdade aparece também nesse item: pessoas pretas ou pardas representavam mais de 70% dos pobres e dos extremamente pobres. Dessa forma, no ano passado, 40% das pessoas de cor ou raça preta ou parda eram pobres, “num patamar duas vezes superior à taxa da população branca (21%) e 7,7% delas eram extremamente pobres, mais que o dobro da taxa entre brancos (3,5%)”. 

Importância dos programas sociais

O IBGE ressalta ainda o impacto dos programas sociais. A participação dos benefícios desses programas no rendimento domiciliar das pessoas em situação de extrema pobreza chegou a 67% em 2022. Já a renda do trabalho respondia por apenas 27,4%. Entre os domicílios considerados pobres, o rendimento de benefícios chegou a 20,5% do total do rendimento e a renda do trabalho, a 63,1%.

“Isso mostra a importância das transferências de renda para a composição da renda dos domicílios das pessoas extremamente pobres e a maior influência do mercado de trabalho na composição da renda da população pobre”, observa Simões. Na população total, a distribuição de rendimentos foi de 74,5% para trabalho, 18,1% aposentadoria e pensão, 3%, benefícios de programas sociais e 4,4% para outras fontes. Sem os benefícios, a pobreza seria até 80% maior.

Casa própria e nem-nem

A pesquisa do IBGE mostra ainda que 64,6% da população vive em domicílios próprios e já pagos. Mas a proporção diminui desde 2016 (67,8%). A proporção de domicílios alugados subiu de 17,3%, também em 2016, para 20,2% no ano passado.

Outro dado destaca a chamada geração nem-nem: em 2022, o número de jovens que não estudavam nem estavam ocupados foi de 10,9 milhões, ou 22,3% das pessoas de 15 a 29 anos – terceira menor taxa da série. Desse total, 4,7 milhões eram mulheres de cor ou raça preta e menos da metade, 2,2 milhões, mulheres brancas. Outros 2,7 milhões eram homens pretos ou pardos. E 1,2 milhão, homens brancos.