Nos 20 anos do Carandiru, emoção e revolta marcam atos pelo fim dos massacres

São Paulo – Movimentos sociais e de direitos humanos que formam a Rede Dois de Outubro realizaram na tarde de hoje (2) um ato inter-religioso na Catedral da Sé, no […]

São Paulo – Movimentos sociais e de direitos humanos que formam a Rede Dois de Outubro realizaram na tarde de hoje (2) um ato inter-religioso na Catedral da Sé, no centro da capital. A atividade contou com a participação de cerca de 200 pessoas, além de membros de diversas religiões. A celebração foi seguida de manifestações em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ao lado da Catedral, e na Secretaria de Estado da Segurança Pública, na rua Líbero Badaró.

Os ativistas dispuseram faixas nas escadarias da Catedral com os nomes dos 111 presos mortos no massacre ocorrido em 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção do Carandiru. Cartazes feitos a mão cobravam a responsabilização dos policiais e daqueles que os comandavam, como o ex-governador do estado Luis Antônio Fleury Filho, cuja casa foi alvo de um escracho público na manhã de hoje.

No início do ato houve falas de religiosos, que exaltaram a questão de que todas as pessoas erram, mas ninguém tem o direito de lhes tirar a vida por isso e pediram o fim dos massacres e da impunidade dos que praticam atos de violência em nome do Estado. “O objetivo deste ato é chamar a atenção da sociedade e evocar a memória do massacre ocorrido vinte anos atrás. E não é só isso. Nós queremos a apuração de todos os crimes praticados por agentes do Estado, a destituição dos cargos desses agentes, o fim dessa lógica de massacres e encarceramento em massa, que só tem gerado mais violência, em vez de ressocialização dos presos”, disse o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir Silveira.

Em seguida das falas religiosas foram feitas diversas intervenções culturais com poesias e música, apresentadas por jovens de diversos pontos da cidade convidados pela Rede Dois de Outubro. Um discurso emocionado, que não estava no roteiro, lembrou os presentes da imensa luta que ainda se trava todos os dias na periferias da cidade. A jovem Juliana Machado contou a história de outro jovem, Cássio Luan, morto por policiais na zona leste da cidade, em mais um suposto caso de resistência seguida de morte. Com o punho esquerdo erguido, os manifestantes fizeram um minuto de silêncio.

David Orestes, hoje com 67 anos, é um sobrevivente do massacre do Carandiru que esteve presente ao ato. Para ele, é muito importante que se continue preservando a memória dos presos assassinados e que o Estado atue em prol das vítimas ou seus familiares. “O mínimo que o Estado devia fazer era reconhecer seu erro e indenizar as vítimas ou seus familiares. Este ato é importante porque não se pode deixar que se caia no esquecimento o que foi feito e que ninguém foi punido”, disse Orestes.

O sobrevivente diz não entender até hoje o que moveu aquela ação. “Qual a necessidade de matar tanta gente que nem armada estava, que não tinha condições de reagir contra dezenas de policiais armados com metralhadoras?”

Com o fim do ato inter-religioso, os manifestantes seguiram para o Tribunal de Justiça, onde leram os nomes dos 111 presos mortos e cobraram atuação firme dos magistrados nos casos de crimes praticados por agentes do Estado. Na semana passada, o Judiciário paulista anunciou para 28 de janeiro o julgamento de policiais envolvidos no caso. De lá, o ato seguiu para a Secretaria de Segurança Pública, onde a militante do Movimento Mães de Maio Débora Maria da Silva lembrou-se do filho, Édson Rogério, morto por grupos de extermínio na Baixada Santista durante os crimes de maio de 2006.

“Queremos outro modelo de segurança, que não seja baseado no extermínio de nossos filhos pobres e pretos. Eu sou mãe e não vou me calar. Quantas mães ainda terão de enterrar seus filhos mortos pelo Estado, em outros Carandirus e outros maios, até que algo seja feito para acabar com essa política de extermínio?”, disse Débora.

No próximo sábado (6), a Rede Dois de Outubro finaliza os atos em memória dos 20 anos do massacre do Carandiru com a caminhada cultural pela paz e pela liberdade, às 11h, no Parque da Juventude, na zona norte da capital. O parque foi construído em 2003, no espaço onde ficava o presídio, após sua demolição. Hoje, no local, fica a Biblioteca São Paulo e a Escola Técnica Estadual (Etec) Parque da Juventude.