A vida na crise

Na maior favela de São Paulo, 95% das trabalhadoras domésticas perderam renda na pandemia

Pesquisa do observatório De Olho na Quebrada evidencia que os mais pobres, em especial as mulheres, acabaram arcando com a conta da crise num contexto de informalidade e insegurança

Arquivo EBC
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Levantamento também indica que 78% das trabalhadoras domésticas que atuam como diaristas ou mensalistas estão na informalidade

São Paulo – Levantamento do observatório De Olho na Quebrada mostra que, entre dezembro de 2020 a março deste ano, 95% das trabalhadoras domésticas de Heliópolis, em São Paulo, perderam parte de sua renda. Na maior favela da capital paulista, com cerca de 200 mil moradores, o período da pandemia também correspondeu ao aumento do desemprego. Mais da metade das trabalhadoras, 52%, relataram ter perdido todas as fontes de renda. 

A pesquisa do observatório é uma iniciativa da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas), que contou com apoio da ActionAid, Open Society Foundation e do Instituto Construção. Divulgada nesta terça-feira (4), ela evidencia as dificuldades do trabalho doméstico, especificamente, mas também reforça a realidade de que os mais pobres, principalmente as mulheres, acabaram arcando com a conta da crise sanitária e econômica.

O cenário de vulnerabilidade se agrava por conta das condições de contratação da categoria, ainda informal e com rendimentos baixos. Em Heliópolis, a maioria das mulheres que forma o contingente das trabalhadoras domésticas na região não tem carteira assinada. Segundo o estudo, 78% das que atuam como diaristas ou mensalistas estão na informalidade. Além disso, quase 9 em 10 responderam ter perdido algum posto de trabalho. Pelo menos 38% trabalhavam entre duas e mais de três casas e 47% em apenas uma residência.

Trabalhadoras à margem da proteção

Em sua coluna na Rádio Brasil Atual, o Dieese avaliou os dados com preocupação. De acordo com o diretor técnico da entidade, Fausto Augusto Júnior, na pandemia, a informalidade se torna um fator ainda mais grave para a insegurança dos trabalhadores. Dependentes do transporte público e mais expostas à covid-19, uma vez infectadas essas trabalhadoras sequer têm acesso ao auxílio doença, por exemplo. E, se dispensadas, a categoria também está desamparada do seguro-desemprego ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 

“Até o atual governo (de Jair Bolsonaro), havia a possibilidade de abater do imposto de renda o registro da trabalhadora doméstica. Um incentivo importante para que se mudasse a cultura do país que é muito ruim, marcada pelo período da escravidão, que mistura as funções do trabalho doméstico e não o compreende como um trabalho como qualquer outro. Este é um desafio no Brasil”, observa.

“A respeito da questão do trabalho doméstico, precisamos, de um lado, regular e melhorar a capacidade de acessar os direitos trabalhistas, mas de outro lado também a economia precisa se dinamizar de forma que absorva esses trabalhadores em outros setores nos quais possam contar com mais formalidade, renda e garantias”, completa o Dieese.

Desafio da formalização das trabalhadoras domésticas

O levantamento também mostra que o desemprego compromete muitas vezes a única renda de uma família. Em Heliópolis, 97% das trabalhadoras domésticas são mães e metade delas solos, chefes de famílias que mantêm a renda da casa. O perfil da pesquisa aponta que 70% delas são negras e 48% têm entre 40 e 59 anos. Na informalidade, as domésticas informais chegam a ganhar até 40% a menos do que as trabalhadoras da categoria registradas, segundo estudo do Dieese com base em dados da Pnad Contínua do IBGE. 

Toda essa sobreposição de vulnerabilidades ainda expõe que a “reforma” trabalhista, que prometeu milhões de empregos e formalização dos vínculos, também não cumpriu o anunciado. E, para além de Heliópolis, trabalhadoras domésticas de todo o país continuam à margem da segurança trabalhista. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção


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