Bolsonarismo

Uma triste e cinza tarde na Paulista

O evangelicalismo parece ferido de morte pela seita política de Jair, Michele e pastor Silas. Mas há de se deixar de lado a razão para perceber como o discurso dessa turma desperta emoções

Paulo Pinto / Agência Brasil
Paulo Pinto / Agência Brasil
Sim, se você não é adepto da seita bolsonarista, é um ímpio na mensagem proclamada por um dos pastores mais conhecidos do país

Por Marcelo Santos – Um amigo que mora perto da Paulista me escreveu, desalentado. “Daqui ouço Michele e Silas. Eles raptaram o discurso religioso de tal modo que, quem não está por eles (bolsonarismo), é um ímpio”. Ímpio, entre os evangélicos, é mais do que apenas a qualidade de quem pratica a impiedade. É o outro lado. “Os que ficarão de fora”, apartados da presença de Deus.

Sim, se você não é adepto da seita bolsonarista, é um ímpio na mensagem proclamada por um dos pastores mais conhecidos do país. Michele, com uma obscura biografia, é exaltada como uma fiel exemplar. Uma mulher ungida por Deus.

O evangelicalismo parece ferido de morte pela seita política. Por mais frágeis os discursos, por mais que não faça o menor sentido um ex-presidente boquirroto, pregador da morte e intolerância, ser celebrado por quem se tornou adepto de uma fé que tinha como seus jargões “Jesus te ama, eu também!” é exatamente o que tem acontecido. Mas a razão passa ao largo desse debate.

Na avenida, pessoas com a bandeira de Israel justificavam: “Somos cristãs, como Israel” (sic). Ainda que a religião judaica não reconheça o Cristo de Nazaré como o reconciliador entre os homens e Deus. Ainda que as mortes de crianças e mulheres inocentes em Gaza sejam relativizadas, assim como qualquer operação numa favela que deixe um aluno atravessado por uma bala de fuzil. Nada faz sentido. “A gente precisa estudar mais psicologia social”, sugeriu meu amigo.

Eu lembro que quando tecladista na igreja, no momento do apelo para a conversão, eu era escalado. E tocava, suavemente, enquanto o orador dizia as palavras. Eu embalava e amaciava o discurso, quase num processo de hipnose, de ninar a plateia e de emocioná-la. O fim era sempre o mesmo. Dezenas de pessoas diante de um palco, aos prantos, aceitando ao convite.

A gente precisa aprender o poder desse discurso e da forma pela qual ele é embalado. Talvez, nem tanto o discurso, porque a se considerar as falas de Michele, Bolsonaro e Silas, esse discurso é vazio, frágil, raso e até controverso. Mas a forma. A forma é a que tem levado e guiado a multidão, como na triste tarde de ontem.

Marcelo Santos é jornalista, escritor e coordenador de comunicação da Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito