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As oportunidades perdidas do México

Superposição de problemas fazem o país ser a maior ferida neoliberal no continente. E se nos perguntamos como está a esquerda mexicana, as notícias tampouco são boas

edinchiapas.org

Criança mexicana em acampamento zapatista. País resiste a definir rumos políticos e econômicos que priorizem o social

O México deu início ao extraordinário século 20 latino-americano com sua maravilhosa revolução, que moldou o imaginário do continente durante muitas décadas – até a Revolução Cubana

Como Zapata e Pancho Villa protagonizavam uma épica revolução um século depois da gesta de independência, seria de supor que novo século mexicano traria boas e novas esperanças. Não é o que acontece, infelizmente. Ao contrário, o país é uma ferida aberta no continente, antes de tudo para o seu próprio povo.

O que parecia o final do longo ciclo do PRI, em 2000, não foi sucedido por um governo de esquerda – depois de PRI ter se encarregado de introduzir o neoliberalismo no México –, mas pelo PAN, que alguns iludidos acreditavam que pudesse desmontar o Estado priista de 70 anos.

Os dois mandatos do PAN não só representaram a continuidade do regime e da política econômica herdada, como terminaram definitivamente com as marcas minimamente progressistas de sua política externa, com o México somando-se à política norte-americana de hostilidade a Cuba.

Esgotados os dois governos do PAN, o PRI volta ao governo. É certo que, pelo menos em duas ou três eleições, houve fraudes contra Cuahutémoc Cárdenas e contra López Obrador, mas esse não é um fenômeno apenas mexicano. Em outros países do continente a esquerda soube superar esse obstáculo para finalmente ganhar e governar.

Ao contrário de outros países latino-americanos, o México segue o caminho do neoliberalismo, com todas as dramáticas consequências sociais desse modelo. Enquanto países como o Brasil e a Argentina diminuem as desigualdades, o México as intensifica. Enquanto os salários aumentam, assim como os empregos formais nesses países sul-americanos, o salário mínimo mexicano perdeu 66% do seu poder aquisitivo em três décadas.

Apesar das tentativas frustradas de órgãos da mídia internacional de projetar o México como modelo a ser seguido pelo Brasil, nenhuma análise séria consegue sustentar essa afirmativa para além de slogans de propaganda neoliberal. O México continua a ser o paradigma de país que optou pela continuidade da aliança subordinada com os EUA, pelo modelo liberal de livre mercado e com seus efeitos trágicos.

Única fronteira mundial entre um país da periferia e um do centro, tendo ao maior império como seu vizinho do norte, o México também sofre as consequências do corredor do narcotráfico, que vai dos países produtores da América do Sul – basicamente Colômbia e Peru – passando pela devastada América Central, até o maior mercado consumidor de drogas do mundo: os Estados Unidos.

Se já não bastassem as consequências do modelo econômico aplicado por algumas décadas e o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Alca), o México sofre a desagregação social e política de vários estados do norte do país, como pontos de passagem da droga e de ação dos cartéis do narcotráfico na direção dos Estados Unidos. O que somente aumenta o drama dos imigrantes – mais de 10 milhões de indocumentados – no vizinho rico.

Pela superposição de todos esses problemas, o México é a maior ferida neoliberal no continente. E se nos perguntamos como está a esquerda mexicana, as notícias tampouco são boas.

O Partido da Revolução Democrática (PRD), representante tradicional da esquerda mexicana, se dividiu. Um setor, liderado por quem foi seu candidato a presidente duas vezes, Andres Manoel López Obrador, fundou um outro movimento (Morena, Movimento de Regeneração Nacional), diminuindo a força do partido, sem conseguir constituir um polo alternativo com mais força.

Em 2014 se cumpriram 20 anos do grito de Chiapas, a rebelião no estado mais ao sul e o mais pobre do México, que fundou o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Mais além das saudações pelo surgimento do movimento, a situação em Chiapas não foi substancialmente melhorada, nem o ELZN se projetou como força alternativa nacional.

Considerando-se que o sistema político mexicano não tem segundo turno, as possibilidades de que a esquerda chegue a triunfar eleitoralmente diminuem ainda mais com a divisão entre PRD e Morena, que certamente terão candidatos próprios nas próximas eleições presidenciais – previstas para 2018. Os zapatistas, por seu lado, não intervém no processo eleitoral, em que não acreditam, sem conseguir desenhar uma via alternativa para a esquerda.