35 anos depois

Memória de Chico Mendes fortalece luta socioambiental e alimenta o futuro na floresta

Há 35 anos o líder seringueiro foi assassinado em sua casa, em Xapuri, no Acre. Nesses anos todos, a indignação foi sendo ofuscada pela saudade e principalmente pelo legado na defesa da Amazônia

Camila Araújo
Camila Araújo
Caminhada nas ruas de Xapuri marca os 35 anos do assassinato do líder seringueiro

São Paulo – Nesta sexta-feira (22), completam-se 35 anos que o líder seringueiro Chico Mendes foi brutalmente assassinado em sua casa, em Xapuri, no Acre. Nesses anos todos a indignação foi sendo ofuscada pela saudade e principalmente pelo seu imenso legado. O sindicalista e ambientalista reconhecido em todo o mundo, premiado por seu trabalho em defesa da floresta, está vivo.

“Ele não estava morto. Ele não está morto. Se ele estivesse morto, 35 anos depois nós não estaríamos aqui, falando desse cara que sonhava com um mundo melhor, que sonhava com uma vida melhor para os seringueiros e os povos da floresta. Que sonhava…”, disse o agrônomo e advogado Gumercindo Rodrigues, amigo de Chico, que foi morar em Xapuri após se envolver com a luta dos seringueiros.

A formação em direito do então agrônomo foi justamente para ajudar na defesa dos trabalhadores. Rodrigues esteve com Chico Mendes minutos antes de o líder ser morto com tiros de escopeta na porta de sua própria casa. Ao descrever o episódio, com lágrimas nos olhos, disse que viu o amigo deitado em uma maca “morto”. Em seguida, se corrigiu: “Morto não”.

O companheiro do líder foi para Xapuri para mais uma edição da Semana Chico Mendes, na qual se encontram a velha guarda seringueira e a juventude amazônida, que toma a linha de frente da proteção das florestas. Um evento repleto de simbolismo, memória e esperança. 

Valeu a pena lutar, diz seringueiro

“Quando a gente olha para o mapa e vê que temos milhões de hectares de terra na mão de trabalhadores, de populações tradicionais que eram discriminadas e viviam em invisibilidade total, a gente começa a entender que valeu e vale a pena lutar”, disse o seringueiro Julio Barbosa, presidente do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). 

Conforme ressaltou, o Brasil é o único país do mundo a reconhecer o direito de povos e comunidades tradicionais ao instituir as reservas extrativistas (Resex). “Cada Resex só é demarcada e reconhecida se a gente lutar e resistir. Era essa a mensagem que Chico transmitia, e a juventude precisa entender isso”, disse. “É uma luta de classes: de um lado estamos nós, do outro lado está quem quer diminuir o tamanho das nossas terras”, acrescentou Julio, que nasceu em Xapuri. 

O seringueiro Osmarino Amâncio Rodrigues, 68 anos, tem críticas à política de conciliação com o agronegócio do atual governo Lula. E acredita que é função dos jovens interferir nesse cenário. “A juventude precisa se levantar contra um governo que dá ‘mixaria’ para a agricultura familiar e milhares para os grandes fazendeiros”. 

“Lula disse lá em Brasiléia (AC), quando veio aqui na década de 1980, que se fosse presidente fazia reforma agrária em duas canetadas. Não fez”, protestou Osmarino, companheiro de Chico Mendes, que participou de diversos movimentos na floresta e também acompanhou o surgimento da aliança que uniu seringueiros, indígenas e povos da floresta a partir dos anos 1970. Para ele, o presidente tem de “provar que está com nós” e que precisa criar mais reservas extrativistas. 

Juventude carece de oportunidades nas reservas

Integrante do Comitê Chico Mendes, seu avô, a analista ambiental Angélica Mendes, 34 anos, disse que o grupo tem atuado em prol dos mais jovens, que carecem de oportunidades. “O Comitê tem trabalhado pelo fortalecimento da juventude para seguir lutando pela floresta de pé. Por mais que a gente tenha um governo federal agora simpático à nossa luta, ainda são muitos os nossos desafios”, comentou.

Segundo ela, faltam oportunidades para a juventude que vive nas unidades de conservação, o que enfraquece a proteção da Amazônia. Isso porque com o êxodo para as cidades, os territórios tradicionais ficam suscetíveis à exploração predatória. 

O sertanista Antônio Luis de Macedo, ou Txai Macedo, 72 anos, também participou do movimento que buscou consolidar a aliança entre os povos da floresta. “Falávamos que seringueiros e índios não eram inimigos como diziam os patronatos e políticos que queriam explorar esses segmentos de maneira separada”, afirmou.

Se antes seringueiros e indígenas não caminhavam juntos nesta luta, fruto de uma provocação cujo objetivo era mantê-los desarticulados, o cenário mudou nos anos 1980, com a construção da Aliança dos Povos da Floresta. “Juntos, iríamos nos tornar fortes, uma fortaleza de luta”, recordou Txai Macedo. 

Referência na autonomia dos povos

A líder quilombola de Enseada da Mata, do Maranhão, Maria Nice Machado Costa, conhecida como Dona Nice, também esteve em Xapuri. “Quem vai ficar no nosso lugar são os jovens e se antes não tinham pessoas de dentro dos territórios para assessorar está luta, hoje temos nossos juízes, advogados, professores e médicos”, disse a liderança, que é secretária para mulheres do CNS. 

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Dona Nice cresceu tendo Chico Mendes como referência na luta por autonomia dos povos e hoje defende a manutenção da Reserva Chico Mendes de pé. Referência no país, a Resex foi considerada a área protegida mais ameaçada e pressionada pelo desmatamento entre agosto de 2022 a julho de 2023, segundo dados do Imazon

Presidente do Comitê Chico Mendes, que organiza o evento anual, Angela Mendes diz que “a memória de Chico alimenta nossas ideias de um futuro melhor com justiça socioambiental e para todes”. Em frente ao túmulo de seu pai, na cidade de Xapuri, a filha do seringueiro lamenta que a população do município não se envolva com a luta. “Para mim é triste que a população da cidade não entenda e não se entenda dentro desta história”.

Mesmo assim, a socioambientalista disse que o comitê segue em frente por entender que há muitas pessoas comprometidas na defesa da causa dos povos da floresta. “Devemos seguir sempre nessa nossa determinação de sermos subversivos para lutar contra o sistema, a opressão e contra todos aqueles que nos querem violentados e mortos.”


Para conhecer mais sobre a história de Chico Mendes e da Amazônia, confira o documentário Chico Mendes Vive. Com muitos trechos de entrevistas com o próprio líder, o filme é uma aula sobre a história da Amazônia, da luta para a organização dos seringueiros em defesa da floresta e da Aliança dos Povos da Floresta para a demarcação das primeiras Reservas Extrativistas da Amazônia.

Assista:

Redação: Cida de Oliveira, com reportagem de Camila Araújo em Amazônia Real