Impasse

Esvaziada, COP27 não deve avançar contra urgência da injustiça climática

Principal questão na conferência, que termina oficialmente nesta sexta, é o desacordo na criação de um fundo para os países pobres. Os que menos emitem gases de efeito estufa, e maiores vítimas

Divulgação/Oxfam Internacional
Divulgação/Oxfam Internacional
Muitos cientistas entendem esse calor excessivo em todo o globo como parte de uma nova era; o Antropoceno

Sao Paulo – A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP27), que termina neste sábado (19) no Egito, tem como grande questão a injustiça climática longe de ser corrigida. Falta acordo entre os países ricos na criação de um fundo para os países em desenvolvimento. Ou seja, os países mais pobres, que são os que menos emitem gases de efeito estufa, são os mais atingidos pelas consequências das mudanças climáticas causadas por essas emissões dos mais ricos. É necessário muito dinheiro para proteger seus ecossistemas e se adequar à crise climática, corrigindo os impactos. Por exemplo, as secas prolongadas em regiões agrícolas. Há previsões de que a África subsaariana, com 8 milhões de habitantes, sofra os efeitos do maior aquecimento até 2050.

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“A grande questão que se coloca é a necessidade de dinheiro internacional para essa grande crise humanitária que está se instalando. É um processo que se configura perdas e danos danos porque os mais pobres não são os que causam a degradação. Então isso nos remete a uma figura jurídica da obrigatoriedade pela reparação do dano ambiental para solucionar o problema de injustiça ambiental”, disse o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

No entanto, a cada ano, governos e entidades se reúnem nessas conferências. Há discursos, promessas e são estabelecidas metas que não saem do papel. Tanto é que na última quarta-feira (16) o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma das estrelas da COP27, cobrou os governos dos países ricos. Em 2009, em conferência em Copenhague, eles se comprometeram a começar os repasses em 2020. O calote ja tem dois anos. Nos países, os compromissos também não saem do papel. Governos empurram para empresas, que devolvem para o poder público e o tempo passa.

Injustiça climática e o esvaziamento da ONU e da COP

“Nos Estados Unidos, 50% das emissões são das forças armadas. Transformar essa lógica belicista depende da superação de conflitos, que depende do mundo ter outras prioridades. Temos uma emergencia climática galopante. Estamos com o inferno pisando no acelerador. Temo que não tenhamos mais tempo para tirar o pé do acelerador”, disse Bocuhy, em entrevista na noite de ontem (17) ao canal da revista CartaCapital.

Essa situação de conflitos pelo mundo, segundo ele, explica o esvaziamento da COP27, que termina oficialmente nesta sexta-feira. No entanto, as negociações continuam neste sábado justamente devido a impasses sobre a criação de um fundo relativo a perdas e danos destinado aos países mais vulneráveis.

Conforme o ambientalista, o enfraquecimento da COP, desde outras edições, se dá pela perda do multilateralismo colaborativo devido ao processo geopolítico atual. “A guerra na Ucrânia, crises econômicas, de combustíveis fósseis na Europa. Isso tudo torna secundário a capacidade da humanidade de se voltar para um modelo de paz, de amor. E implica na perda de protagonismo das Nações Unidas. Hoje a Otan tem mais protagonismo no mundo do que a ONU, cujo papel é prmover a paz”, disse.

Na sua avaliação, nem o fato de a ONU ter um porta voz extraordinário, o secretário-geral António Guterres, é suficiente. “Guterres está conceitualmente alicerçado, cientificamente bem embasado. Mas é apenas uma voz, e não a capacidade transformadora da ONU. Esse enfraquecimento enfraquece o multilateralismo colaborativo nas mudanças climáticas.”

Mudanças climáticas e geopolítica

Essa situação também afeta o Brasil. A Amazônia, grande indutor de sustentabilidade de toda América do Sul, da Cordilheira dos Andes para o Oceano Atlântico, provê umidade para praticamente 60% do continente. Mas a desproteção do bioma compromete a regularidade hídrica. Um desastre anunciado para a economia, renda, cidades, agricultura, indústrias e tudo o mais que se possa pensar. “É preciso concretizar essa política de reparação de danos ambientais, embora o Brasil não seja inocente”, ressalvouBocuhy.

Outra questão é que atores importantes, como Rússia, Estados Unidos, China, India e Brasil, vão para essas conferências das Nações Unidas com outras perspectivas. O Brasil quer recursos para compensações ambientais na ótica do governo anterior. E os demais países não querem corrigir rumos, aportar recursos. Afinal, estão com seu PIB todo comprometidos com combustíveis fósseis. “Nesse cenário adverso, imaturo do ponto de vista geopolítico, não se consegue estabelecer um estado mínimo de paz para uma transformação civilizatória”, disse.

Embora a principal solução para a crise climática seja a transição energética para substituir os combustíveis fósseis, cuidar da Amazônia tem grande peso. O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa, metade deles proveniente do desmatamento. Entretanto, zerar a derrubada de floresta já não basta, segundo Bocuhy. Isso porque, devido a degradação em muitas regiões, já não ocorre o processo de sequestro de carbono.

“É preciso implementar um grande programa de reflorestamento, que pode ser a grande marca do novo governo. É preciso revitalizar para permitir a resiliência da floresta”, disse.

Para isso, Bocuhy defende que o novo governo Lula promova a reconstrução normativa, com transparência e participação social, inclusive dos povos indígenas. E que a agenda climática esteja no foco de políticas e ações em todos os departamentos do governo, e não apenas do Ministério do Meio Ambiente.

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