Tecnologia

Por que Bolsonaro comprou satélite para monitoramento da Amazônia que Inpe já fazia?

Em 2021, Aeronáutica adquiriu equipamento por US$ 33,8 milhões, ou cerca de R$ 177,5 milhões, de uma empresa finlandesa

Divulgação/Inpe
Divulgação/Inpe
SCD-1, que coleta dados meteorológicos, foi o primeiro satélite desenvolvido pelo Inpe, e continua em operação

São Paulo – A ofensiva do governo de Jair Bolsonaro para esvaziar e sucatear o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) envolveu a transferência de atribuições técnico-científicas. Entre elas, a previsão do tempo de curtíssimo prazo (nowcasting), para o  Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão subordinado ao Ministério da Defesa.

Porém, de acordo com o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), há outros exemplos.

O vice-presidente da entidade, Acioly Olivo Cancellier, destaca a compra, pela Aeronáutica, de um satélite da empresa Iceye, da Finlândia, “para fazer o que o Inpe já faz: monitoramento da Amazônia”. O negócio foi fechado por US$ 33,8 milhões, ou cerca de R$ 177,5 milhões na cotação de sexta-feira (24).

Inpe espera retomar importância após 4 anos de ataques e cortes no orçamento

O levantamento de dados sobre desmatamento é o que mais incomodava Bolsonaro e seu governo entre as atribuições do instituto. A compra do satélite finlandês foi noticiada em reportagem do portal Uol de fevereiro de 2021, segundo a qual o Ministério da Defesa afirmou que o equipamento teria a função de “aprimorar a proteção da Amazônia”.

O instrumento serviria ainda para “complementar o sistema Deter do Inpe no período de maior cobertura de nuvens”. Mas a capacidade do satélite importado de detectar desmatamentos na Amazônia é duvidosa, segundo especialistas.

De acordo com o cientista Gilberto Câmara, que dirigiu o Inpe de 2005 a 2012, mesmo depois de Bolsonaro o órgão continua monitorando o desmatamento da Amazônia com a mesma competência de sempre.

“Mas precisa de recursos humanos e recursos materiais para modernizar esse monitoramento, principalmente na redução do tempo de informação, para chegar mais rápido ao governo e possibilitar a tomada de decisões e ações mais rápido, no combate ao desmatamento, que aumentou muito no governo Bolsonaro”, diz. Segundo dados do próprio Inpe, o desmatamento acumulado na Amazônia sob Bolsonaro, de janeiro de 2019 a julho de 2022, devastou uma área de 31 mil km², equivalente ao território da Bélgica.

Tragédia do litoral norte

Após a tragédia do mês passado, quando chuvas nunca vistas em São Sebastião e Bertioga – no litoral norte de São Paulo – mataram 65 pessoas, questionou-se se o Inpe e outras instituições poderiam ter ajudado a minimizar os efeitos trágicos da precipitação. “Honestamente, não”, responde Gilberto Câmara. Não havia como prever, segundo os especialistas.

“Estamos diante do início, nos primeiros anos, do impacto de eventos climáticos extremos no Brasil e no mundo. O que aconteceu foi algo que não tem precedentes no Brasil, não existe registro histórico”, avalia.

O volume que caiu em Bertioga, 683 milímetros acumulados em 24 horas, é o maior registro dos sistemas até hoje. Em São Sebastião foram 626 milímetros, enquanto na tragédia de Petrópolis, em 2022 foram 534,4.

30 anos do primeiro satélite

No dia 9 de fevereiro de 2023 completou 30 anos em órbita o primeiro satélite artificial totalmente projetado, construído e operado no Brasil pelo Inpe. O Satélite de Coleta de Dados 1 (SCD-l), que continua em operação, mas não faz monitoramento da floresta, e sim coleta dados meteorológicos.

Segundo o Inpe, SCD-1 e SCD-2 foram de extrema importância para o programa espacial brasileiro. Desse modo, “marcaram o início das recepções de informações meteorológicas de estações instaladas em locais remotos”, explica o instituto. 

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