Interferência indevida

Oferta de ajuda da Hungria para reeleição de Bolsonaro é ‘grave’, alerta sociólogo

Ministra da Mulher relatou em documento oficial oferta de interferência no processo político-eleitoral brasileiro feita por chanceler do premiê Viktor Orbán, um dos raros aliados internacionais do governo Bolsonaro

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
A Hungria é comandada pelo premiê, Viktor Orbán, líder da extrema-direita, acusado de erodir os mecanismos democráticos do país

São Paulo – O professor de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas (SP) Vitor Barletta Machado classificou como “bastante grave” a notícia de que o chanceler da Hungria, Péter Szijjártó, ofereceu ajuda para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante uma reunião com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto. O caso veio a público em reportagem do jornal Folha de S. Paulo, divulgada ontem (27). O veículo teve acesso ao relatório de viagem interno, elaborado pela própria ministra, que registra a disposição da Hungria em intervir no processo político-eleitoral brasileiro. 

O encontro ocorreu em Londres, no início de julho, a pedido do ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio do país europeu. Cristiane e Szijjártó estavam no Reino Unido para participar da Conferência Ministerial Internacional sobre Liberdade de Religião ou Crença. Logo no início da conversa, o chanceler explicou que havia solicitado a reunião bilateral não só porque os dois países compartilham da mesma visão sobre a família, segundo ele, mas “devido ao interesse em saber mais do cenário eleitoral”. 

De acordo com os registros da ministra, Szijjártó “questionou se haveria algo que o governo húngaro poderia fazer para ajudar na reeleição do presidente Bolsonaro”. Em resposta, Cristiane comentou sobre “a polarização da sociedade brasileira” no período eleitoral, mostra o jornal. “Destaquei a convergência de pensamentos dos dois países em diferentes temas, particularmente naqueles afetos à competência do MMFDH”, acrescentou a chefe da pasta. 

Fato exige explicações

O chanceler, na sequência, afirmou que o Brasil tem a maior comunidade húngara na América Latina. E que o grupo apoia majoritariamente Bolsonaro. Szijjártó encerrou o encontro desejando ainda “sucesso nas próximas eleições presidenciais” ao governo Bolsonaro. As declarações, contudo, soam “preocupantes” para o sociólogo Vitor Barletta Machado. “Não são ingênuas ou simples”, destacou ele em entrevista ao Jornal Brasil Atual

Machado observa que as afirmações não são “simplesmente uma declaração de simpatia”, mas uma oferta de interferência política. “Se estivéssemos em outros tempos, teríamos isso dominando os cenários de debates em todos os lugares. Porque uma coisa é você ouvir declarações, como a que circulou, sobre o Joe Biden (presidente dos Estados Unidos) e o governo norte-americano defendendo o processo democrático no Brasil. Ou seja, defendendo o processo eleitoral. Outra coisa é um governo estrangeiro dizer que vai ajudar a eleger determinado candidato diretamente”, compara. 

O mais prudente, de acordo com o sociólogo, seria que os representantes dos dois governos dessem explicações. Questionados pela reportagem sobre o teor do relatório, nenhum dos lados, no entanto, se manifestou. “Seria o que nós esperaríamos em um cenário de normalidade, que as pessoas viessem a público dar explicações e que nós a tivéssemos de fato. Mas, infelizmente, não é o que costumamos ver no atual governo”, critica o professor da PUC Campinas.

Órban e Bolsonaro

A Hungria é um dos raros aliados internacionais de Bolsonaro. O país é comandado pelo premiê, Viktor Orbán, ultradireitista, no poder desde 2010, acusado de erodir os mecanismos democráticos do país. Entre eles, a liberdade de imprensa, atualmente cerceada pelo governo por meio da compra estatal de publicidade ou ainda pelo incentivo para aquisição de veículos críticos à sua gestão por empresários aliados. Orbán também esteve à frente de mudanças nas regras para eleger deputados para facilitar a obtenção de maiorias no parlamento pelo seu partido, o Fidézs. 

O premiê também assina a reforma de expansão da Suprema Corte húngara que deixou o colegiado amplamente favorável ao seu governo. Orbán esteve no Brasil para a posse de Bolsonaro que retribuiu a cortesia, em fevereiro, quando foi à Hungria, um dos poucos países europeus visitados pelo mandatário. No encontro bilateral também tratou de críticas ao aborto, à imprensa e defendeu valores conservadores. Cristiane e o chanceler também celebraram o fato de o Brasil não ter ratificado o Pacto Global para Migração. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima