Entrevista

Movimentos de Lula não indicam ‘salto alto’, mas articulação e pragmatismo

Para professor da UFABC, apesar de manter eleitorado do “núcleo duro”, Bolsonaro terá muita dificuldade de reverter a enorme rejeição e se reeleger em outubro

Reprodução/TVT
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Dificuldade de Bolsonaro alia rejeição e crise econômica, que dá sinais de que vai se aprofundar, diz professor

São Paulo – Lideranças políticas conhecidas ou pessoas “comuns” em rodas de conversas têm manifestado preocupação com o que classificam como “resiliência” de Jair Bolsonaro, que mantém índice de intenção de votos entre 25% e 28%, como mostra pesquisa Ipespe divulgada na última sexta-feira (11). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mantém líder, com 43%. Um dia antes, o próprio Lula resolveu convidar seu eleitorado a manter os pés no chão. “Não existe essa de já ganhou. Eleição a gente só sabe o resultado depois da apuração. Vamos ter que ter muitas habilidades de construir nossas alianças”, alertou.

Algumas vozes influentes do PT, como a do senador Jaques Wagner, também já advertiram para a necessidade de prudência. Em fevereiro, ao jornal O Globo, o ex-governador da Bahia recomendou a integrantes do PT que coloquem “a sandalinha da humildade” e evitem o clima excessivamente otimista.

O cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC), para começar, discorda do diagnóstico de que o PT ou Lula estão de salto alto. Pelo contrário. “Claro, Lula tem uma posição de primeiro lugar nas pesquisas. Mas se a gente observar os movimentos do PT, e do Lula propriamente dito, não são movimentos de quem está de salto alto”, diz.

“Lula está até abrindo mão de princípios programáticos, para fazer aliança, sugerir federação, abrir mão de candidaturas (como em Pernambuco), entregar a vice ao Alckmin. Não me parece que isso seja sinal dado por quem acha que já ganhou, mas, sim por quem acha que precisa ainda de muita articulação política e construção de uma frente mais ampla para vencer as eleições”, continua o professor da UFABC.

Ainda não se sabe para qual partido vai Gerald Alckmin para se juntar a Lula na chapa. O ex-tucano voltou a conversar com o PV, depois que o PSB decidiu não participar uma federação com o PT. Alckmin se reuniu com o presidente dos “verdes”, José Luiz Penna, na tarde de sexta, em São Paulo, na sede da legenda, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.  “Acho que diante do quadro aumenta nossa chance de ter o governador nas nossas hostes”, afirmou Penna.

Rejeição de Bolsonaro

Já quanto a Bolsonaro, as vozes da prudência têm classificado como “competitivo” e um candidato que “não está morto”. Mas, apesar de até ter oscilado para cima na última pesquisa, ele continua ostentando uma rejeição formidável, de quase dois terços da população brasileira, observa Marchetti.

Por isso, o analista continua considerando que o presidente de fato vai ter muita dificuldade de reverter o cenário e se reeleger. Bolsonaro é rejeitado por 61% dos eleitores, muito acima de Lula (42%) e Ciro Gomes (43%). Sergio Moro (55%) e João Doria (59%) também não têm nada a comemorar, nesse quesito da pesquisa.

A dificuldade de Bolsonaro não se deve apenas à rejeição, lembra Marchetti. “Mas também, principalmente, porque a crise econômica dá sinais de que vai se aprofundar, com o preço dos combustíveis e o descontrole da inflação, coisas que mexem no bolso do eleitor. A tendência é ele manter o chamado ‘núcleo duro’, com algumas oscilações como a observada (para cima) na pesquisa Ipespe. Mas, de novo: a candidatura continua com muita dificuldade e baixa probabilidade de vitória”, avalia.

Pragmatismo

Nesse quadro, Lula tem demonstrado pragmatismo. “O que ele tem feito? Sabe que a tarefa política e eleitoral que tem pela frente é árdua e vai exigir composições para além dos campos da esquerda, fazendo sinalizações para o centro, para a direita, ainda que Bolsonaro esteja num índice de popularidade baixa. O que há algum tempo tem sido chamado de frente ampla, me parece que Lula tem dado sinais claros de que quer ir nessa direção”, conclui o analista.

Lula, de fato, não só caminha para essa direção como demonstra consciência disso. Na sexta, numa sutil alfinetada a Bolsonaro, postou no Twitter: “Eu nunca fui a um estado sem passar pela sede do Governo Estadual. Nunca fiz uma inauguração sem a presença do governador. Pra reconstruir o Brasil, tem que conversar, com quem esta à frente da prefeitura e do Estado, independente do partido dele”.