Diálogo

Para Lula, divergência política é saudável e não pode ser estímulo ao ódio

No ‘JN’, ex-presidente critica orçamento secreto e afirma que Bolsonaro “não manda nada” nessa questão. Ele defendeu a convivência com pensamentos diferentes, citando relação entre PT e PSDB

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Lula e a dupla de entrevistadores globais: 'Você acha que o mensalão é mais grave que o orçamento secreto?'

São Paulo – A sempre delicada relação do governo com o Congresso passou ao largo no programa da última segunda-feira (22, com Jair Bolsonaro), mas foi repetidamente questionada na edição desta quinta-feira (25) do Jornal Nacional: “Você acha que o mensalão, que tanto se falou, é mais grave que o orçamento secreto?”, rebateu a certa altura o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos entrevistadores William Bonner e Renata Vasconcellos. Ao longo do principal noticiário global, ele enfatizou a questão do diálogo e a convivência com adversários políticos. E afirmou que a chamada polarização é saudável e existe em todo o mundo, mas “não pode ser confundida com o estímulo ao ódio”.

A referência ao atual presidente, Jair Bolsonaro, foi implícita, mas pouco antes Lula havia sido bastante claro e objetivo, exatamente ao se referir ao Congresso. “O Bolsonaro parece o bobo da corte. Não manda nada. Lira (o presidente da Câmara, Arthur Lira) que libera as verbas. O ministro liga pra ele, não para o presidente da República”, afirmou, referindo-se à liberação de recursos públicos. Ele falou que é preciso acabar com esse “semipresidencialismo” e refutou a expressão “moeda de troca” entre o Executivo e o Congresso, dizendo que o que acontece hoje é “usurpação do poder”.

Congresso é resultado da consciência

Assim, ele insistiu na necessidade de manter canais de conversação com o parlamento. Não com o Centrão, enfatizou. “O Centrão não é um partido político. (…) Quem ganhar as eleições vai ter que conversar com o Congresso Nacional.” Mas Lula também apontou a importância de o eleitor refletir bem sobre suas escolhas para a Câmara e o Senado: “O Congresso Nacional é resultado da sua consciência política nos dias das eleições”.

Ainda sobre o desempenho do atual presidente, Lula questionou os apresentadores do Jornal Nacional sobre a iniciativa do Executivo na questão do auxílio emergencial. Primeiro, lembrou que Bolsonaro queria pagar apenas R$ 200, mas foi pressionado pela oposição e teve que aceitar os R$ 600. E agora pretende pagar o benefício apenas até 31 de dezembro, último dia do mandato. “Porque na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que ele mandou agora, o programa não tem continuidade”, observou Lula.

Pensar diferente não é ser inimigo

Bonner repetiu a pergunta sobre o que chamou de “agressividade” da militância petista contra quem “pensava diferente”. Lula respondeu que tinha divergências com o PSDB – legenda com a qual o PT disputou seguidas eleições presidenciais, de 1994 a 2014 –, mas acrescentou que petistas e tucanos não se tratavam como inimigos. “Polarização tem no mundo inteiro. É estimulante, é saudável. (…) Não pode é confundir com o estímulo ao ódio.” Para deixar claro ao público do Jornal Nacional, Lula citou o jogo de ontem entre São Paulo e Flamengo, lembrando que adversários saíram abraçados.

Na eleição de 2006, por sinal, Lula foi reeleito derrotando exatamente Geraldo Alckmin, seu atual candidato a vice. No JN, o ex-presidente enfatizou a experiência do ex-tucano, hoje no PSB, como governador e também como vice de Mário Covas. “Eu tenho 100% de confiança que a experiência dele vai me ajudar a consertar o país”, afirmou.

Pouco depois, citou o educador Paulo Freire: “A gente precisa estar junto com os divergentes, para enfrentar os antagônicos”. Nesse sentido, Lula destacou que o antagonismo, hoje, está representado pelo fascismo e pela ultradireita. Minutos após o final do programa, Alckmin fez postagem em rede social e afirmou que Lula expôs com “clareza e altivez” o projeto para o país. “Nós vamos interromper as insanidades e fazer o Brasil gerar emprego e renda de novo.”

MST tem modelo de produção

A parte final dos 40 minutos de entrevista de Lula foi dedicada pelos apresentadores do Jornal Nacional ao agronegócio e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. “O MST hoje tem várias cooperativas. É o maior produtor de arroz orgânico do Brasil”, afirmou o candidato. “Você precisa visitar uma cooperativa, Renata”, propôs Lula. Assim, para o ex-presidente, modelos diferentes podem conviver o país, referindo-se também à agricultura familiar. Ele demarcou o agronegócio “fascista e direitista” como uma parcela do setor: “Os empresários sérios não querem desmatar”.

A pergunta final, feita por Bonner, repetiu um velho bordão a respeito de uma suposta contradição entre se afirmar democrata e defender “ditaduras latino-americanas de esquerda”. Lula respondeu que um democrata respeita a autodeterminação dos povos: “Cada país cuida do seu nariz”. Ao mesmo tempo, defendeu alternância no poder. E lembrou que ele mesmo foi contra a iniciativa de se criar a possibilidade de um terceiro mandato quando ainda estava na Presidência da República.

Em seguida, o ex-presidente reafirmou um bordão de seu governo: o objetivo de um novo mandato, destacou, é recolocar “o pobre no orçamento do país”. E concluiu, às 21h12: “Tenho orgulho de ser o presidente que mais fez universidade, mais fez escola técnica”.