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Combate à desinformação e às ‘fake news’ será marco para o futuro do país, avalia relator de projeto na Câmara

Pesquisadores avaliam riscos à democracia. “Debate público comandado por seres invisíveis”, define professor

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São Paulo – A circulação desenfreada de informações falsas ou desencontradas foi o “nó górdio” da eleição de 2018 e ainda paira sobra o próximo processo eleitoral, avaliou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator na Câmara do Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, sobre transparência nas redes. Silva participou de debate, nesta segunda-feira (13), promovido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Ao lado dele, o professor e pesquisador Sérgio Amadeu e a jornalista Marina Pita (Coalizão Direitos na Rede) apontaram limites às iniciativas legais com objetivo de regular o setor e promover o combate a desinformação.

Os três concordam que a desinformação e as fake news comprometem o debate político, mas o diagnóstico esbarra no desafio em busca de equilíbrio entre regulação e liberdade de expressão. “É um tema central para as eleições e os próximos anos no Brasil. O desfecho das eleições vai marcar ou delimitar quais os caminhos do nosso futuro”, afirmou o parlamentar. Para ele, o país se encontra exposto à “disjuntiva civilização x barbárie”. Ao mesmo tempo, é difícil encontrar definições. “Essa é uma matéria muito sensível, porque nós lidamos com conceitos muito abertos.” O PL passou pelo Senado e voltou à Câmara, mas sua tramitação nesse período pré-eleitoral é incerta.

Opinião pública

“Infelizmente, a desinformação é uma mecanismo potente para a formação da opinião pública”, diz ainda Orlando Silva. “Combater a desinformação também é sustentar valores democráticos e, no limite, defender a democracia.” Em tempos de informação “customizada”, quase individual, como definiu, é necessário que haja regulação pública sobre a internet. “É regulada estritamente por particulares, em torno de objetivos particulares, econômicos. (…) Regular na perspectiva do interesse público é preciso, é necessário. O ponto de partida para estruturar uma regulação deve ser a defesa da transparência”, defendeu.

O parlamentar observou ainda que a liberdade de expressão não pode ser absoluta, alertando para o “potencial de estrago brutal” das redes. Ele defendeu, por exemplo, um tipo penal contra organizações criminosas que usem robôs. Usando uma expressão comum para se referir a quem espalha desinformação ou fake news, afirmou que a penalização como forma de combate a essa prática não deve ser “contra a tia ou tio do WhatsApp”. Ao mesmo tempo, o deputado disse esperar que a Justiça Eleitoral atue de forma mais “enfática” no processo eleitoral deste ano.

Transparência e autorregulação

Para Marina, o jornalismo público e independente de governos é ferramenta fundamental para um acesso mais democrático à informação. Também é preciso garantir leis que imponham certas obrigações às empresas. “No meio da pandemia, o Google resolveu que ia mudar o algoritmo”, exemplificou, citando lei australiana de transparência sobre o tema. “Não temos minimamente um modelo de autorregulação do jornalismo”, acrescentou.

Os meios digitais propiciaram o surgimento de novos intermediários na comunicação, lembrou o professor Amadeu, da Universidade Federal do ABC, e destruíram modelos de negócios. “Isso porque a desinformação hoje é estratégia de um grupo político, que tem ramificações planetárias e que resolveu destruir a democracia”, afirmou. “Desde a segunda década do século 21, é uma estratégia política”, acrescentou. Para ele, “estamos no pior dos mundos” do ponto de vista da democracia: “Um debate público comandado por seres invisíveis”.

Projeto de brigadas digitais combate desinformação e dialoga com a população

Regulação das plataformas

Assim, aponta Amadeu, juntam-se duas “invisibilidades” – a de quem controla a frequência de conteúdo que todos assistirão e a de quem está pagando. Em 2018, por exemplo, a campanha de Jair Bolsonaro não foi feita pela conta do candidato, mas distribuída. “Nós precisamos regular as plataformas”, afirmou. Para ele, esforços como o de Orlando Silva são importantes, mas insuficientes. 

“Nós precisamos de mais: direito de auditoria. Nós precisamos ter gente capaz de saber as regras de negócio de cada algoritmo que controla o nosso olhar dentro da plataforma. Precisamos saber se o discurso não está sendo subestimado, diminuído o alcance, bloqueado.” Para o pesquisador, há uma “censura privada” nas plataformas, que segue os interesses do acionistas. Assim, a “gestão algorítmica’ passa pelo que ele chamou de supervisão democrática.