"NEM" em sonho

Estudantes e educadores vão às ruas para pedir revogação do ‘Novo Ensino Médio’

Estudantes e educadores apontam distorções, desigualdades e autoritarismo na política implementada no ano passado

@XuniorL
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Estudantes nas ruas em 15 de março pela revogação do Novo Ensino Médio. Mobilização vai se repetir no próimo dia 19, segundo o movimento estudantil

São Paulo – Estudantes foram às ruas em várias cidades, em todo o país, nesta quarta-feira (15), para contestar a implementação do “Novo Ensino Médio” no ano passado. A matéria, imposta por medida provisória por Michel Temer (MDB) e tocada por Jair Bolsonaro (PL), apresenta mudanças controversas no modelo de ensino brasileiro. Entre os principais problemas, está o aumento da desigualdade.

Por exemplo, o novo modelo prevê um aumento obrigatório da carga horária, o que impede o jovem de trabalhar. Logo, entre colocar comida na mesa e estudar, espera-se uma evasão escolar ainda maior.

“A falta de investimentos e estrutura para a implementação correta e igualitária do Novo Ensino Médio reflete o descaso e o verdadeiro interesse nesse projeto de destruição. Nunca foi pela educação, por isso queremos a revogação já”, afirma a organização da União Nacional dos Estudantes (UNE), que está por trás dos atos de hoje, ao lado da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Além das mobilizações de rua, professores relataram em todo o país salas de aula vazias, em razão do ativismo dos alunos em forma de boicote.

O projeto, sem um orçamento adequado, também prejudica os professores. O argumento é que muitas das escolas sequer tem condições de aplicar as demandas. Existem casos em que o estudante deverá cumprir matérias em mais de uma escola. Então, para dar voz aos estudantes, na última semana, o Ministério da Educação abriu um período de 90 dias de diálogo. Estão na mesa audiências públicas, debates, pesquisas com estudantes e exposições de argumentos. O ministro da pasta, Camilo Santana, afirma estar aberto a mudar o Novo Ensino Médio.

Os atos

Em São Paulo, milhares de estudantes protestaram na Avenida Paulista (foto: Facebook/Ubes)

Os estudantes não estão sozinhos sobre a necessidade de revogação do Novo Ensino Médio. Mais de 300 organizações educacionais assinam o manifesto Carta Aberta Pela Revogação do Ensino Médio (Lei 13.415/17). “Desde 2016, a Reforma do Ensino Médio assumiu a característica de projeto antipopular e de contornos autoritários. Sua implementação perpassou o governo ilegítimo de Michel Temer e ganhou continuidade natural no governo de extrema-direita e de viés conservador de Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições após uma campanha eleitoral marcada pela desinformação”, afirma o texto, puxado por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Por isso, estudantes e educadores marcharam juntos no dia de hoje. Em Brasília, o ato foi organizado pela Ubes, com apoio da CNTE e do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro/DF). “NEM? Nem em sonho”, diziam faixas e cartazes. Segundo a confederação, mais de 50 manifestações rejeitando esse projeto para o ensino médio foram confirmadas em todo país.

Em São Paulo, por exemplo, milhares tomaram a Avenida Paulista logo pela manhã. Em seguida, o ato percorreu a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio até chegar à Assembleia Legislativa. Também nas primeiras horas do dia, as movimentações tomaram vias de Porto Alegre, Maceió, Rio de Janeiro, entre outras cidades.

novo ensino médio
Manifestação contra o “Novo” Ensino Médio em Brasília (Facebook/Ubes)

Contrarreforma

“Como a gente vai se preparar para a universidade, para o vestibular, para o mercado de trabalho se a gente está preocupado em fazer brigadeiro? Enquanto as escolas particulares estão preparando para pegarem as melhores vagas das universidades”, criticou a estudante do 2º ano do ensino médio, Júlia Oliveira. “A gente sabe que o ensino médio anterior, antes dessa reforma, não era lá essas coisas. Todo mundo reclamava. Com certeza, um novo ensino médio de qualidade deveria ser feito com diálogo com os alunos, com a Secretaria de Educação, os professores, quem está no dia a dia da escola. Deveriam ter aulas mais dinâmicas, conteúdos precisos sobre o vestibular e sobre o cotidiano de fato”, completou.

Para o professor de Geografia Alex Guedes, o novo ensino médio reduz os horizontes dos estudantes. “Essa contrarreforma veio no sentido de tornar o ensino ainda mais precário, ainda mais técnico, não dando possibilidade do desenvolvimento dos estudantes, de pensamento crítico que vá no sentido de transformar essa sociedade, de pautar os interesses da maioria da população.”

Mais espaço

O MEC já recebeu pareceres sobre o tema. Contudo, o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara pede mais espaço. “Ela restringe a participação a um cronograma muito apertado e, simplesmente, a questões de implementação da reforma, sendo que a demanda dos estudantes e dos professores é a revogação. O que a reforma tem gerado de desorganização das redes, de desestruturação curricular e de baixíssima formação dos estudantes é algo que precisa ser, de fato, denunciado”, explica.

Camilo Santana, por sua vez, reconhece a necessidade do diálogo aprofundado, e diz que trabalha no tema. “Já identificamos que há necessidade de correções, necessidade de um bom debate. Porém, acho que é do processo democrático, até porque o ensino médio já está em andamento na sua implementação, Acho que é importante ouvir as entidades, os especialistas da área, os estudantes, professores, para que a gente possa, com muita responsabilidade, tomar decisões”, disse.

Confira imagens dos atos

Com informações de reportagem de Daniel Mello, da Agência Brasil