Sem razão

Belluzzo: insistência do ‘mercado’ em risco fiscal é ‘ignorância interessada’ que prejudica políticas sociais

Economista criticou a reação do mercado ao pronunciamento do presidente Lula, confirmando a prioridade da questão social no orçamento. Belluzzo fala em “invenção tosca: você só tem uma situação fiscal favorável se gerar renda”

Hugo Arce/Fotos Públicas
Hugo Arce/Fotos Públicas
O presidente eleito também rebateu que o mercado “fica nervoso à toa” e é muito “sensível”. Até representantes do setor, como o empresário Abílio Diniz, saíram em defesa do novo governo Lula

São Paulo – O economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo fez duras críticas, nesta sexta-feira (11), à reação do chamado “mercado” às indicações sobre a futura gestão econômica do Brasil pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem (10), em sua primeira visita ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, de onde vem atuando a equipe de transição, Lula defendeu um “novo paradigma de funcionamento” no país, em que a questão social e a população mais pobre sejam centrais para a tomada de decisões dos poderes. 

Como já vinha prometendo na campanha eleitoral, o presidente eleito confirmou que dará prioridade às políticas sociais, em especial o combate à fome. O anúncio, no entanto, soou negativo para o mercado financeiro que reagiu fechando o dólar comercial com forte alta, de 4,14%, e cotação a R$ 5,39. Os juros futuros também subiram e a Bolsa terminou essa quinta em queda de 3,35%. A maior baixa desde novembro de 2021. 

Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o especialista observou que essa reação do sistema financeiro mostra o quanto ele, na prática, está “afastado das condições reais de vida da população”. Assim como “nega às pessoas o direito de comer”. O presidente eleito também rebateu que o mercado “fica nervoso à toa” e “é muito “sensível”. Até representantes do setor, como o empresário Abílio Diniz, saíram em defesa do novo governo, negando a existência de “pânico nesse momento”. Numa entrevista à CNN Brasil, ele ainda enfatizou que Lula nunca escondeu sua prioridade para o social e que o petista sabe das “dificuldades” do país. 

Falácia fiscal

A justificativa para a reação seria uma preocupação com a chamada “estabilidade fiscal”. Belluzzo garante, porém, que “essas regras, que pretendem impor à economia, acarretam disfunções e desagregações sociais. A situação é muito parecida com outras que ocorreram na história desse sistema em que a economia se afasta completamente da vida das pessoas. Você vê que essa insistência no risco fiscal é uma forma de obstar as políticas que podem atender a população”, afirma.

O economista ainda diz que o argumento de equilíbrio fiscal é “na verdade uma invenção um tanto quanto tosca dos economistas, porque, no capitalismo, você só pode ter equilíbrio fiscal, uma situação fiscal favorável, se você está gerando renda. É dessa renda que você apropria os impostos. (…) Se você não gera renda, qual vai ser o resultado da cobrança do imposto de renda?”, provoca. Ele ainda completa que essa resistência do mercado em cima de um suposto risco fiscal é “uma ignorância interessada”. 

De acordo com Belluzzo, o que está em jogo entre os agentes do mercado é o poder de direcionar o encaminhamento da economia. “O mercado financeiro, além de ser uma forma econômica de ‘controle da locação e distribuição de recursos’, ele também é uma forma de poder”, destaca. 

Superar contradições

“Está todo mundo agora falando que o dólar foi a R$ 5,40. Isso aí não tem propósito nenhum a não ser o de valorizar a sua riqueza no âmbito financeiro. E isso significa dano para as pessoas que estão vivendo nesse país. Porque todo mundo vai dizer ‘veja só a promessa de Lula para combater a pobreza vai envolver R$ 175 bilhões’, todo esse trololó, quando esses economistas têm uma ignorância de como funciona a dívida pública. Eles ficam apavorando as pessoas sobre a dívida pública, como se ela fosse igual à dívida privada, de uma família. E não é.”

Belluzzo explica que, no caso da dívida pública, outro argumento evocado pelo mercado, ela é amortizada pela capacidade do Estado de emitir moeda numa articulação entre o Banco Central com os bancos privados. Nesse momento, de acordo com o economista, o Estado brasileiro precisa ser capaz de superar as contradições entre a economia real e a financeira, em que os interesses da financeirização, de acumulação, acabam prevalecendo sobre a economia real. 

O economista também ressalta um argumento bastante utilizado por ele de que, hoje, no Brasil, não há uma elite, mas ricos. Segundo ele, o país deixou de ter uma classe de empresários, que buscavam um projeto de desenvolvimento até para obter um mercado interno consumidor, para ter rentistas. “Estamos vendo aqui no Brasil um exemplo em que a política, através da eleição do presidente Lula, está apontando na direção de desfazer esse constrangimento que as economias e as pessoas, os povos, a sociedade está sofrendo”, finaliza Belluzzo.

Confira a entrevista completa