Retrocesso

Mulheres protestam contra revogação de portaria que regula o aborto no SUS

Protesto na Praça da Sé, em São Paulo, reafirma importância de que procedimentos possam ser feitos no SUS; ministério alega problema técnico, mas há pressão de setores conservadores

Valter Campanato/ Abr

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quer articular derrubada da legalização do aborto em caso de violência sexual

São Paulo Movimentos feministas organizaram protesto na tarde de hoje (7) contra a revogação da Portaria 415 por parte do Ministério da Saúde, que incluía procedimentos para aborto previstos em lei na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). O ato começou às 16h na Praça da Sé, no centro de São Paulo.

Para Jéssica Hipólito, que integra o movimento feminista, a revogação vai trazer prejuízos para as mulheres que têm direito legal ao aborto por serem vítimas de estupro, terem gerado feto com anencefalia (má formação que impede o desenvolvimento do cérebro) ou sofrerem risco de morte.

Ela lembra que muitas mulheres acabam recorrendo a procedimentos clandestinos. “Isso é um absurdo. A gente está demonstrando aqui com esse ato que a portaria é muito importante para nós e para as mulheres em situação de violência. Essa portaria revogada é um retrocesso, é uma violação aos nossos direitos”, defende.

A feminista Maria Luppi Foster defende que essa é uma pauta histórica do movimento: “tem a ver com a liberdade de escolha das mulheres sobre o seu próprio corpo. Embora as mulheres já tenham esse direito, nos casos em que a lei já prevê, muitas vezes passam por vários problemas”. Para ela, é uma violência “ter que passar por tudo isso, depois de já ter sido violentada, para conseguir abortar”.

Sob críticas

Entidades de defesa dos direitos da mulher e da sociedade civil criticam desde o primeiro momento a revogação da portaria que incluía procedimentos para casos de aborto, previstos em lei, na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota conjunta, instituições alegam que a revogação da Portaria 415, que estipulava o valor de R$ 443 pelo procedimento, representa um retrocesso e está “na contramão dos direitos humanos das mulheres brasileiras”. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Católicas pelo Direito de Decidir e outras 17 instituições assinam o documento.

De acordo com o Ministério da Saúde, a Portaria 415, publicada no dia 22 de maio, foi revogada porque não houve acerto sobre detalhes da medida com os gestores municipais e estaduais, antes da publicação. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, também houve inconsistência no cálculo do impacto financeiro que o procedimento causaria aos cofres públicos. De acordo com a pasta, a mudança trazida pela portaria era apenas burocrática, uma vez que a interrupção da gravidez, em casos permitidos em lei, já é feita pelo SUS.

O aborto legal é previsto em casos de estupro, de gestação de feto com anencefalia (malformação que impede o desenvolvimento do cérebro) e quando há risco de vida para a mulher.

Para Leila Rebouças, representante do Cfemea e da AMB, há uma bandeira política de setores conservadores sobre a questão. “A Portaria 415 fixa valores para o procedimento, não é uma autorização para a interrupção da gravidez. O aborto legal já é feito pelo SUS e vai continuar sendo feito. As mulheres precisam desse serviço. É sobre a vida das mulheres que se está tratando. A revogação pode ser, sim, uma necessidade de correção, mas existe uma ofensiva fundamentalista da bancada evangélica que coloca o controle do corpo da mulher como bandeira política”, disse.

A Portaria 415 também garantia a presença de um acompanhante durante a permanência da mulher no hospital. Para as entidades do movimento feminista, “sua revogação vai contra as regras de humanização da assistência e favorece o ambiente de violência obstétrica”.

Bancada evangélica

Durante a semana, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados, liderada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), intensificaram as críticas à inclusão do aborto entre os procedimentos realizados pelo SUS e comemoraram a queda da portaria como vitória política própria. CUnha estaria, inclusive, medindo as forças das agremiações conservadoras no Congresso para poder dar início a uma campanha pela revogação da lei 12.845, promulgada pela presidenta Dilma Rousseff em 2013, que permite o aborto em caso de concepção após violência sexual. O Partido Social Cristão (PSC), que acionou a Justiça em maio deste ano contra o aborto legal, terá como pré-candidato a presidente e defensor da bandeira na disputa eleitoral o Pastor Everaldo, pastor Everaldo, vice-presidente da sigla.

Em resposta por escrito a questionamento do jornal O Globo, a presidenta Dilma Rousseff (PT) manifestou-se pela primeira vez sobre o tema nesta quarta-feira (4), em defesa do aborto “por motivos médicos e legais”; como forma, também, de evitar mortes entre mulheres carentes.