25 de novembro

Fim da violência contra a mulher exige políticas públicas que causem mudanças culturais, diz pesquisadora

Dissertação mostra os fatores que incentivam as mulheres a romperem com o ciclo de violência, em meio a reflexões pelo Dia Internacional de Eliminação da Violência contra a Mulher, celebrado nesta sexta (25)

Fernando Frazão/ABr
Fernando Frazão/ABr
Data foi escolhida para homenagear as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominicana, entre 1930 e 1961

São Paulo – Para além de medidas judiciais, o enfrentamento da violência contra a mulher também passa pelo desenvolvimento de políticas públicas que provoquem mudanças culturais, educativas e sociais. É o que destaca a mestra em Direitos Humanos, Justiça, Saúde, Gênero e Sexualidade Fernanda Araújo. Ela é autora de uma dissertação que mostra os fatores que incentivam as mulheres a romperem com o ciclo da violência e denunciarem os crimes. 

A pesquisa lhe garantiu o título na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), instituição vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho de Fernanda foi divulgado nesta sexta (25) pela agência de notícias da ENSP por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, celebrado hoje. Ele ainda reflete para uma conscientização sobre o fenômeno da violência de gênero como um problema complexo, multicausal e que envolve uma série de fatores. 

“O fenômeno da violência contra a mulher envolve diversos elementos que repercutem na vida delas. Nossa sociedade é arraigada por atravessamentos históricos, religiosos, culturais, sociais, políticos e econômicos que influenciam nas relações sociais. Como também permeada por uma cultura machista, patriarcal, sexista, heteronormativa e binária, que estrutura relações de poder e hierarquias, gerando desigualdades e privilégios”, explica Fernanda.

As motivações

De acordo com a especialista, não é o último episódio de violência que motiva a vítima a denunciar o agressor. Mas sim o medo de feminicídio, a intensidade da agressão física,  o desrespeito; o filho ou filha da mulher, o apoio familiar e as humilhações. Assim como muitas também denunciar como uma forma de advertir o agressor, ou por experiência de outros relacionamentos agressivos e a vontade de ser independente. 

Para o estudo, Fernanda entrevistou 15 mulheres, na faixa etária entre 18 a 59 anos. Em comum, todas elas foram vítimas de violência física e haviam registrado ocorrência em uma delegacia policial, onde foram encaminhadas para realizar o exame de corpo de delito na Sala Lilás do Instituto Médico Legal (IML), no centro da cidade do Rio de Janeiro. A Sala Lilás é um projeto que envolve a justiça, a segurança pública e a saúde do estado e do município do Rio. Ela foi criada para proporcionar um atendimento mais humanizado e qualificado às mulheres vítimas de violência. 

De acordo com dados do Dossiê Mulher 2021, no estado, ocorreram 98.681 casos de violência contra mulheres em 2020. Desses total, um terço delas – 34,7% – aconteceram apenas na capital fluminense. 

Uma questão interseccional 

A pesquisa também mapeou o perfil sociodemográfico das entrevistadas, indicando predominância de mulheres cisgênero, negras, heterossexuais, casadas/união estável, com mais de dez anos de estudos, com rendimento de até 1 salário mínimo, com faixa etária entre 20 e 39 anos, religião cristã, residentes em área formal e em moradia alugada. “Pode-se dizer que o grupo entre 20 e 29 anos, especialmente, é mais suscetível a sofrer violência física. Esta faixa etária está em plena idade reprodutiva e economicamente ativa. As agressões sofridas são graves e impossibilitam o exercício de suas atividades laborais. Elas necessitam de cuidados de saúde e afastamento de atividades”, observa a pesquisadora.

Todas as mulheres entrevistadas também informaram a reincidência dos atos violentos durante o seu relacionamento com o agressor, com destaque às mulheres negras. A análise de Fernanda é que essa população “suporta situações de opressão de forma interseccional”. De acordo com ela, são “agregadas as violências decorrentes de preconceitos raciais, de classe e orientação sexual”. 

Por conta disso, a especialista garante que as políticas públicas “necessitam intervir de forma transversal e intersetorial, atingindo as ações desenvolvidas nas políticas de saúde, educação, trabalho e renda, cultura, assistência social, segurança pública, justiça, entre outras, para atuar na desconstrução da cultura machista e patriarcal que gera desigualdades de gênero e social.  Como também, contribuir na integralidade das ações de assistência a mulheres em situação de violência”, destaca. 

Papel da arte 

Desde 2007, o Brasil conta com uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Mas a especialista adverte é que preciso pensar estratégias para enfrentar esse problema também do ponto de vista social, além de promover práticas para melhorar a qualidade do atendimento. 

Aliado a isso, há iniciativas organizadas também pela sociedade civil, como a da trabalhadora rural Kenny Silva, de 45 anos, que utiliza da poesia para denunciar a violência de gênero e combater preconceitos enraizados na oralidade. Moradora do município de Xinguara, no Pará, Kenny destaca em suas produções temas como o da violência contra a mulher que atravessa a vida da população rural. Uma região em que, segundo ela, é mais comum que as agressões sejam mascaradas ou até mesmo não denunciadas. 

“A gente tem casos de violência não só física, mas psicológica, moral e até financeira”, explica a poetisa à agência de notícias Ceub – projeto de extensão do curso de Jornalismo do Centro de Ensino Unificado de Brasília. A ideia, contudo, é usar os versos para expressar não apenas a dor, mas a importância da mulher não se calar quando for violentada. “Eu tenho feito da minha poesia o meu lugar de fala para não deixar que essa violência seja silenciadora. A gente como mulher, todos os dias temos que ser acima do padrão que nos é imposto. Todos os dias a gente é desafiada a manter um padrão de excelência que nos é cobrado socialmente”, critica Kenny. 

25N e “Las Mariposas”

Numa entrevista ao Brasil de Fatoa integrante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) Adriana Mezadri também destacou que nos últimos quatro anos, por conta do governo de Jair Bolsonaro (PL), o conservadorismo e o machismo foram legitimados institucionalmente. Com a sua derrota, garantida principalmente pela população feminina, ela defende que o atual desafio é “construir formas coletivas de combate à violência”. “Se uma mulher é violentada, eu também sou violentada”, afere. 

Em mais de 160 países também começa nesta sexta a campanha “21 Dias de Ativismo pelo fim da Violência contra a Mulher”. Este dia 25 de novembro, contudo, também homenageia as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas, em 1960, por ordem de Rafael Trujillo, sanguinário ditador da República Dominicana (1930-1961). 

As irmãs Mirabal, que ficaram conhecidas como “Las Mariposas”, foram militantes contra a ditadura, durante a década de 1950, em que defendiam a liberdade, a democracia e os direitos humanos em seu país. O assassinato delas, em 25 de novembro de 1960, causou grande comoção na população e ajudou, um ano depois, a desestruturar o regime. Desde então, “Las Mariposas” são símbolo de luta, resistência contra o fascismo e a brutalidade masculina estrutural e institucional contra as mulheres em todo mundo. 

Elas simbolizaram a luta pelo fim da violência contra as mulheres já 1981, no 1º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, realizado em Bogotá, na Colômbia. Em 1999, a história delas também foi reconhecida pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que incorporou a data internacional, celebrada hoje. 

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima