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Derramador de cultura, radical, solidário, ‘Paulo Freire da economia’: olhares sobre Paul Singer

Evento sobre o economista começou nesta terça e vai até quinta, no Centro MariAntônia, da USP

Divulgação/É Tudo Verdade
Divulgação/É Tudo Verdade

São Paulo – Em uma das últimas conversas que teve com o sociólogo Francisco de Oliveira, o professor e pesquisador Alexandre Barbosa, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), referiu-se a Paul Singer como um idealista. Chico retrucou: idealista não, radical. Neste primeiro de três dias de evento dedicado ao economista, que teria feito 90 anos em março, amigos, colegas e acadêmicos dividiram olhares profissionais e afetivos sobre o ex-secretário nacional de Economia Solidária, entre as várias atividades que desempenhou.

O professor Reinaldo Pacheco, por exemplo, que trabalhou com Singer no projeto da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), também da USP, criada em 1998, chamou o economista de “derramador de cultura”. E ressaltou atividades desenvolvidas em diversas áreas, incluindo catadores de material reciclável, pescadores e saúde mental. A ITCP surgiu a partir de um grupo coordenado por Paul Singer, à época na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da universidade.

Conceito que virou movimento

“A economia solidária é um conceito que virou movimento”, afirmou o professor Barbosa. Movimento apropriado pelas organizações sociais, acrescentou. “Essa talvez tenha sido a maior alegria do Paul Singer.” O pesquisador citou estudos sobre economia política e mercado de trabalho, entre outros, mas ressaltou a “totalidade da obra” do economista, que morreu em 2018, aos 86 anos. E que manteve “um pé na academia e outro nos movimentos sociais, além da atuação política”, como observou o diretor executivo do Instituto Paul Singer, Marcelo Justo.

“Ele trouxe a prática para a sala de aula”, disse a vice-diretora da FEA, Sylvia Saes. “Concretizou a ideia de utopia”, disse o sociólogo Gabriel Cohn, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Durante o debate, também foi chamado de “Paulo Freire da economia”, por seu perfil humanista.

Na exposição, a formatura em 1960 e a carteirinha do Sindicato dos Economistas de São Paulo: intelectual e militante (Foto: Reprodução)

Ainda na noite desta terça-feira (29), seria aberta a exposição, com documentos, fotografias e reportagens sobre o professor e economista, que também foi secretário municipal do Planejamento em São Paulo (governo Luiza Erundina, então no PT e hoje deputada pelo Psol, que participou do evento). Para amanhã, estão previstas duas mesas de debate (às 14h e às 17h), além do lançamento de dois volumes da Coleção Paul Singer, pela Fundação Perseu Abramo e Editora Unesp. O evento termina na quinta, com a exibição do documentário Paul Singer – Uma Utopia Militante (dirigido por Ugo Giorgetti), a partir das 17h.

De volta à Maria Antônia

O evento está sendo realizado no Centro MariAntônia, na rua Maria Antônia, Vila Buarque, região central de São Paulo. Foi exatamente nesse local que, em agosto de 1966, Paul Singer defendeu seu doutoramento em Ciência, com cadeira em Sociologia. Documento da exposição mostra indicação do professor Florestan Fernandes para compor a comissão examinadora.

Paul Israel Singer nasceu em março de 1932 em Viena. Os pais tinham uma mercearia. Em 1940, sua mãe e outros familiares vieram para o Brasil, fugindo da guerra e da perseguição aos judeus. Aqui ele aderiu ao socialismo e desenvolveu sua militância política, inclusive no movimento sindical, como na greve geral de 1953. Durante a ditadura, foi afastado das salas de aulas, já a partir de 1964, e preso uma vez, em 1974, pela Operação Bandeirante (Oban), durante uma semana. Escapou da tortura, ao contrário do colega Vinícius Caldeira Brant. Teve três filhos: André (nascido em 1958), Suzana (1965) e Helena (1967).

Sem ele não tem formatura

A economista e professora Leda Paulani, também da FEA-USP, lembrou que sua turma escolheu Paul Singer como paraninfo, em 1976, mas ele foi impedido de participar. “A turma toda decidiu que não teria cerimônia. E não teve formatura”, contou. A professora ressaltou três características do homenageado: disposição de luta, espírito democrático e respeito pela docência. “Era muito firme nas posições dele. Mas absolutamente generoso e democrático. Ele ouvia (os argumentos).” E realmente acreditava, emendou Leda, que um mundo marcado “pela concorrência e pelo embate” poderia dar vez a outro, caracterizado pela cooperação e pelo respeito humano. A professora lembrou do trabalho de tradução de O Capital, para uma coleção da Abril Cultural, e que Paul Singer é também presidente de honra da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), criada em 1996.

Ex-professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp) e ex-secretário estadual do Planejamento, Frederico Mazzucchelli chamou Singer de “Dr. Gentileza” e ressaltou a amplitude da obra. “Você podia discutir com o Paulo qualquer coisa, contestar. Ele era firme nas convicções, mas respeitava o outro. O que é uma forma de amor. (…) Não teve um tema central que passou alheio a ele. Na teoria política, na política econômica, na história, nos estudos sobre urbanização, na economia solidária. A envergadura é muito grande.”

Orçamento? Não, planejamento

Além disso, Paul Singer foi um servidor público “desinteressado”, no sentido do desapego ao cargo. Mazzucchelli era secretário estadual quando Singer se tornou secretário municipal do Planejamento, em 1989. Na conversa, o já secretário perguntou ao “novato” sobre o orçamento que ele poderia manejar. Ouviu de Singer que ele não tinha orçamento e queria cuidar apenas do planejamento, sem que ninguém se visse obrigado a “comer da mão” dele.

Singer também foi o único secretário da Economia Solidária, no Ministério do Trabalho, de 2003 a 2016, nas gestões Lula e Dilma. Saiu apenas após o impeachment sofrido por Dilma. A exposição cita levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do período 2009-2013, mostrado a existência de 20 mil empreendimentos de economia solidária no país, somando mais de 1,4 milhão de trabalhadores.

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