Luta sem trégua

Atingidos por Barragens denunciam crime socioambiental da Samarco com faixa nos Arcos da Lapa, no Rio

Crime da Barragem do Fundão, no Rio Doce, em Mariana (MG), completa sete anos e vítimas ainda lutam por reparação

@luznunezsoto
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Faixa nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, lembra a luta por reparação do crime ambiental de mineradoras

São Paulo – O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma intervenção nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, na manhã deste sábado (5), estendendo uma faixa para denunciar o crime socioambiental da Samarco, com o rompimento da Barragem do Fundão, no Rio Doce, em Mariana (MG), que hoje completa sete anos.

“Rio Doce: 7 anos de luta por justiça”, afirma a faixa, que traz à tona a morosidade da Fundação Renova, instituída para reparar o dano social e ambiental, que levou seis anos para construir apenas 78 dos 350 imóveis previstos no reassentamento, garantido por lei, aos atingidos pelo crime cometido pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton em 2015.

Em um período menor, cinco anos, foram concluídas, por exemplo, as obras de construção do estádio do Mineirão, do Cristo Redentor e da maior ponte do hemisfério Sul, a Rio-Niterói, com 13 quilômetros de extensão.

Com a chegada da data do crime, 5 de novembro, a Renova tem pressionado os moradores a se mudarem para as casas que já foram construídas. “É a tentativa de criar um discurso de que está entregando o reassentamento. Mas seria mais uma violação de direitos, porque as pessoas iriam morar em um canteiro de obras”, alerta Letícia Oliveira, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

A morosidade da Renova não se restringe ao reassentamento. Quase uma década após o crime, famílias seguem enfrentando dificuldades financeiras, inclusive para a manutenção de suas lavouras e pecuária. Animais estão morrendo por falta de fornecimento de alimentação adequada que deveria ser fornecida pela Renova.

Na avaliação de Marta de Freitas, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a Renova atua como uma barreira que impede o acesso dos atingidos aos seus direitos. “As empresas tentam deslegitimar e impedir a atuação das assessorias técnicas, que são profissionais honestos, qualificados e independentes que lutam pela garantia de direitos das comunidades”, pontua a militante.

De todos os direitos violados, o direito a ter voz tem sido sistematicamente negado aos atingidos, principalmente pelo governo. Às vésperas das eleições, o governador Romeu Zema (Novo) tentou, a exemplo do caso de Brumadinho, repactuar com as empresas criminosas um novo acordo de indenização. Apesar das negociações não terem avançado, Zema já sinalizou após sua reeleição que a proposta segue no horizonte.

O processo de negociação sobre Brumadinho foi duramente criticado pelos atingidos, que cobraram participação tanto nas negociações quanto na decisão sobre o uso do recurso. Na época, parlamentares mineiros alertaram que, da forma como foi construída, a destinação dos recursos poderia ser utilizada como ferramenta política.

Mineradoras são tratadas como vítimas e trabalhadores como criminosos

Marta de Freitas chama a atenção para a forma como as mineradoras são tratadas diante do poder público. Para ela, as narrativas construídas sobre as reparações feitas, sobretudo em bens coletivos, colocam as empresas como benfeitoras, que fazem benesses às comunidades, e não como criminosas que reparam seus delitos.

“A gente vê os trabalhadores das mineradoras criminalizados, não sendo reconhecidos como atingidos, quando na verdade eles são tão vítimas quanto todos. Perderam emprego, perderam a estrutura de vida que tinham e estão doentes”, explica a militante. Ela explica que muitos empregados da Samarco da época do crime estão desempregados, são rejeitados em outras empresas ou não têm condições de saúde para retomar o trabalho.

Zema atrasa a execução da Lei “Mar de lama nunca mais”

Em fevereiro deste ano, venceu o prazo para que mineradoras descaracterizassem as 54 barragens de rejeitos existentes no estado, construídas sob o método à montante, mesmo modelo das estruturas de Fundão e de Córrego do Feijão, que colapsaram.

No entanto, o procedimento foi realizado em apenas cinco delas. A determinação é prevista na Lei 23.291/2019, mais conhecida como lei “Mar de lama nunca mais”. Um Termo de Compromisso firmado em fevereiro, entre o governo de Minas, o Ministério Público estadual e federal, e as mineradoras flexibilizou a obrigação das empresas.

No acordo, as mineradoras se comprometem a realizar as manobras no período mais curto possível. No entanto, não há um prazo estipulado no documento. O termo não foi assinado por todas as empresas envolvidas, apenas as responsáveis por 19 das 49 barragens listadas.

Outra violação de Romeu Zema à lei “Mar de lama nunca mais”, de acordo com o portal Manuelzão, foi a concessão de ampliação da barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio, de propriedade da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, região Central do estado.

(Atualização: a reportagem havia informado incorretamente que a propriedade da barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio seria da AngloGold. O texto foi corrigido.)

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Na avaliação do deputado federal Rogério Correia (PT), além de ser complacente com as mineradoras, Zema não tem aplicado efetivamente outras leis de proteção à população, como o Plano Estadual de Segurança de Barragens.

Em março deste ano, o governo mineiro também autorizou uma licença de ampliação das atividades da Samarco, justamente onde a empresa cometeu o crime em 2015. Com a decisão, a mineradora poderá intervir em 35 hectares de Mata Atlântica, sendo que um terço desse território integra uma Área de Preservação Permanente (APP), protegida pela legislação.

Em 2018, o MAB já havia denunciado que a Samarco tentaria a todo custo manter as atividades na região, já que a jazida da empresa era responsável por 12,5% da reserva brasileira de minério de ferro, com um potencial exploratório para mais 115 anos.

Fim dos retrocessos

Autor de uma proposta de plebiscito para a reestatização da Vale, Rogério Correia estima que no próximo período as legislações federais e os órgãos nacionais de fiscalização ambiental retomem seu poder de atuação e de regulação sobre as atividades minerárias no Brasil e que o debate do tema avance no país.

“Nós queremos aprovar, por exemplo, já no início do ano, o Plano Nacional dos Atingidos por Barragens que colocará uma série de restrições à sanha das mineradoras, sobretudo em Minas Gerais”, projeta.


Com informações de reportagem de Amélia Gomes para o Brasil de Fato MG