São Paulo

Barragens polêmicas em Pedreira e Amparo têm obras atrasadas e podem parar, dizem operários

Construção das barragens de Pedreira e de Amparo preocupa trabalhadores. Uma das empresas envolvidas é a mesma que abandonou obras do monotrilho em São Paulo

Youtube/Mateiro
Youtube/Mateiro
Canteiro de Pedreira, a pouco mais de um quilômetro da cidade: projeto é de barragem de alto risco

São Paulo – Trabalhadores nas obras na barragem de Pedreira, na divisa do município de mesmo nome com Campinas, e na de Duas Pontes, em Amparo, temem a paralisação dos trabalhos e a demissão. E mais que isso, ficar sem receber salários. Por isso, nesta segunda-feira (24), não trabalharam no canteiro de Amparo. Segundo eles, a polícia foi chamada. E agentes observavam o movimento de dentro das viaturas. Em seguida, os operários foram para o centro da cidade, se reunindo na frente à igreja matriz. Ocorreu a ideia de ir até a vizinha Pedreira, para se juntar aos de lá, mas houve temor.

Segundo disseram à RBA, trabalhadores estão assustados com as notícias que circulam, de que a construtora não pretende renovar o contrato e seguir tocando a obra. E que já houve a demissão de funcionários mais novos. Ficaram apenas os mais velhos, que também deverão perder seus empregos. Para contornar a situação e impedir uma greve, a chefia do canteiro de Amparo sugeriu paralisar as atividades por uma semana.

“É um tempo suficiente enquanto aguardam o que a empresa vai resolver, se vai continuar ou se ia parar, pagar todo mundo, depois contratar outra empresa e continuar a barragem”, disse um trabalhador na condição de anonimato.

Contrato vencido e desinteresse em tocar barragem

Circula entre eles também a informação de que o contrato da construtora venceu. Que não haveria mais o interesse na renovação. E que não se sabe o motivo – daí o medo que têm de trabalharem sem receber. Os operários ouvidos afirmam que são contratados diretamente pela empresa, no caso, o Consórcio BP KPE-Cetenco. Segundo a Junta Comercial do Estado de São Paulo, é formado pelas construtoras KPE, que tem o mesmo representante da OAS – que antes formava o Consórcio BP OAS-Cetenco. Mas há também terceirizados.

A KPE, aliás, é a mesma que abandonou as obras do monotrilho em São Paulo, que deveriam ter sido concluídas em 2022. Isso depois de muitas postergações do prazo inicial.

A reportagem não conseguiu contato com o consórcio BP KPE-Cetenco. Por isso procurou a Cetenco para esclarecer a situação nos canteiros de obra, mas não obteve resposta até a conclusão da apuração. Também contatou o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão vinculado ao governo do Estado de São Paulo. Também sem respostas até a conclusão da apuração.

Atraso em obras

Há muito o que esclarecer quanto à situação nesses empreendimentos iniciados no combate à crise hídrica. Ou seja, como está o contrato com o consórcio BP KPE-Cetenco, se haverá nova licitação, como está o andamento das obras e os motivos dos atrasos. E também questões de interesse do contribuinte, como o total já gasto em cada uma das barragens. A reportagem também questionou como ficariam reparações de danos, caso as obras venham a ser paralisadas. No caso da barragem de Pedreira, sítios arqueológicos em catalogação foram destruídos, para ficar apenas nesse exemplo.

Após a publicação da reportagem, o DAEE enviou nota à redação. Afirmou não ter nenhuma informação sobre um pedido de falência da empresa responsável pela obra e que continua cumprindo com os pagamentos devidos, conforme as medições realizadas mês a mês. 

E afirmou também que a obra “encontra-se atrasada pela baixa produtividade constatada nos serviços realizados em campo”. E que tem tomado “todas as medidas cabíveis junto ao consórcio executor para buscar a melhor solução para o empreendimento e fazer a entrega dos benefícios esperados no menor tempo possível.” 

As duas barragens em construção pelo governo paulista – a de Pedreira, no Rio Jaguari, e a de Duas Pontes, em Amparo, no Rio Camanducaia – compõem um mesmo empreendimento, conduzido pela mesma empreiteira. Pedreira começou em meados de 2018 e Amparo, em agosto de 2020. Portanto, o que ocorre em um canteiro, tende a ocorrer em outro em termos de gestão de obra. O investimento previsto inicialmente pelo governo paulista era de R$ 782 milhões.

Crime ambiental na barragem de Pedreira

Previstas para terminar neste ano, as barragens estão mesmo atrasadas. É o que aponta uma ata de reunião do comitê de acompanhamento, de 28 de agosto passado. Naquela época a barragem de Pedreira havia saído da fase de fundação para a de estruturas. E só a partir de então viria o estágio da galeria de desvio do rio Jaguari, para permitir o avanço do empreendimento. E quando tudo estiver pronto, leva ainda mais de quatro anos para encher o reservatório.

Ambos os projetos seguem em meios a denúncias de irregularidades. E até crime ambiental. Em abril de 2021, a Polícia Civil de Campinas abriu inquérito para apurar suposta prática cometida pelo ex-prefeito Jonas Donizette (PSD). A denúncia partiu da Federação Nacional dos Conselhos de Meio Ambiente (Fecondema). A acusação foi por infração à legislação federal e municipal ao alterar lei que criou e rege a Área de Proteção Ambiental (APA) campineira sem consultar o conselho gestor.

No final de novembro de 2017, o então prefeito aprovou projeto de sua autoria convertido em lei, permitindo o corte ou supressão total das matas nativas, com fragmentos de mata atlântica. Com isso passou a permitir intervenção ou supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente em hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.

Manobras para represar água imprópria

A mudança na lei à revelia do conselho atendeu interesses do DAEE, responsável pela construção da barragem de Pedreira, na divisa com Campinas. Isso porque permitiu o corte de árvores da APA, que fica na área que será alagada durante a formação do reservatório.

O DAEE praticou outra fraude envolvendo o empreendimento. No início de outubro de 2020, a Justiça Federal brecou a obra da barragem de Duas Pontes por considerar o fato de que o departamento não obteve outorga para barragem por meios legais. Parêntese: E mesmo assim a Cetesb tenha emitido licença de instalação.

Para isso, o DAEE, responsável pelas barragens, alterou portaria da Agência Nacional de Águas (ANA), delegando a si a competência de emitir outorgas de usos, obras e serviços executados ou contratados pela própria autarquia em corpos de água de domínio do Estado ou naqueles de domínio da União. A manobra foi feita após três negativas de concessão pela agência reguladora, devido à péssima qualidade da água para consumo que o DAEE quer represar em Duas Pontes. Mas a decisão judicial acabou sendo derrubada.

Trabalhadores do Consórcio BP KPE-Cetenco, no canteiro da barragem de Duas Pontes, em Amparo. Foto: Divulgação

Esta reportagem foi atualizada para inclusão do posicionamento do responsável pelos empreendimentos, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão do governo paulista.