Entrevista

Ventos políticos na América podem impulsionar diálogo social ‘real’, após quase 30 reformas contra o trabalho

Para dirigente da UNI Américas, eleição de governos progressistas pode favorecer relações trabalhistas. Mas sindicatos devem ser propositivos. “O futuro é ter proteção social”

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Conferência de sindicalistas do continente americano, realizada na semana passada em Fortaleza: retomada do diálogo e fortalecimento da negociação coletiva

São Paulo – As recentes mudanças políticas em vários países da região influenciaram o debate da quinta conferência da UNI Américas, não apenas sobre o fortalecimento da democracia, mas como transformar uma possível abertura ao diálogo social em políticas e direitos para os trabalhadores, por meio da negociação coletiva. Ou, como diz o secretário regional da entidade, Marcio Monzane, um diálogo efetivo, que se materialize em resultados.

Foi sob essa perspectiva que 600 representantes de 124 organizações do continente, reunindo 24 países, se reuniram em Fortaleza na semana. Com o objetivo de, como afirmam, construir uma “agenda ousada” no caminho da transição política que vem ocorrendo nos últimos anos e pode chegar ao Brasil.

Diálogo real

Assim, para Monzane, as democracias que voltam a se desenvolver no continente precisam se traduzir em direitos, trabalho decente e igualdade de oportunidades. “A gente sempre defende o diálogo social, mas esse diálogo tem que ser real”, afirma o dirigente da UNI Américas. “Temos que ser propositivos.”

A questão da “reforma” trabalhista, e não só a brasileira, implementada em 2017, é um exemplo concreto. Em período recente, a região passou por 31 dessas reformas. “Só duas foram favoráveis aos trabalhadores”, observa Monzane, citando uma primeira realizada no Uruguai – onde já houve retrocesso – e uma segunda, no México. “As outras 29 foram todas para promover a precarização do trabalho.”

Discurso da flexibilização

Em inglês, espanhol ou português, quase todas foram implementadas sob o mesmo discurso: necessidade de “modernizar” a legislação e tornar a economia mais competitiva, por meio da flexibilização de direitos. Agora, aparentemente os ventos mudaram. A Colômbia, que pela primeira vez terá um governo identificado com a esquerda, quer enfrentar seu elevado nível de informalidade no trabalho (em torno de 80%). “No Canadá, estão se organizando os trabalhadores de entrega, de aplicativo. Nos Estados Unidos, estão se organizando os da Amazon”, exemplifica o secretário regional da UNI Américas.

Para debater qual é o papel do movimento sindical neste período de transformações, o sindicato global convidou, entre outros líderes políticos, a ministra do Trabalho da Espanha, Yolanda Díaz, que comandou a recente – e negociada – mudança na legislação do país europeu. Em recente entrevista ao jornal O Globo, ela declarou que, apesar da polarização política, “a maioria das pessoas quer acordos e um mínimo de calma e previsibilidade”. E concluiu: “De qualquer forma, o futuro do trabalho será o que queiramos que seja, porque trabalho e democracia estão intimamente ligados”.

Tempos de turbulência

No segundo dia da conferência, o debate central foi justamente sobre um modelo mais participativo da democracia. E como fazer as “reformas” conciliando fatores como competitividade, tecnologia e direitos. “Os sindicatos não podem ficar esperando”, diz Monzane. “Temos também que levar propostas concretas ao governos.” Aqueles governos que, claro, praticam o diálogo.

Nesse sentido, a eleição de outubro no Brasil é vista como fundamental para começar a afastar a turbulência. “Acho que com a derrota do Bolsonaro a gente recupera o princípio democrático. E com isso a gente retoma o diálogo. Discordar é normal na democracia. O que não é normal é atacar”

Dessa forma, são duas agendas emergenciais, define o dirigente: combate à pobreza e redução da informalidade. Temas que estão interligados, lembra Monzane, ao identificar uma mudança de discurso. “O futuro é formalizar, ter proteção social”, afirma. Pode parecer uma retomada da discussão sobre bem-estar social, que vigorou no pós-guerra, mas ele acredita que o avanço é maior. “Acho que a discussão aqui vai além disso. É um caminho para o desenvolvimento.”


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