Genocídio

Frentistas, caixas de supermercado, motoristas: profissões que mais matam na pandemia

Levantamento feito com base no Caged revela aumento de óbitos de trabalhadores de serviços considerados essenciais e que não puderam ficar em casa

Roberto Parizotti
Roberto Parizotti
Estudantes protestam na Avenida Paulista: professores também estão entre as profissões com óbitos na pandemia

São Paulo – Frentistas de postos de gasolina, caixas de supermercado, motoristas de ônibus, vigilantes. Essas são algumas das profissões que mais matam no Brasil em tempos de pandemia. O levantamento, feito para o El País pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, indica que trabalhadores que não puderam ficar em casa foram os mais atingidos pelo novo coronavírus. As mortes entre frentistas, por exemplo, aumentaram 68% na comparação entre janeiro e fevereiro de 2020, antes da pandemia, e no mesmo período deste ano, já entre os piores meses da crise sanitária. No caso dos operadores de caixa de supermercado os óbitos subiram 67% na comparação entre os dois períodos. Motoristas de ônibus, 62% mais mortes. E entre os vigilantes, inclusive profissionais terceirizados como os que monitoram temperatura na entrada de centros comerciais, as mortes aumentaram 59%.

Mesmo com transporte lotado, empresas do setor demitiram quase 50 mil em 2020

A base de dados utilizada para o levantamento é o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Novo Caged, ligado ao Ministério da Economia. O sistema, explica o El País, coleta informações mensais sobre contratos formais de emprego. E inclusive o motivo de encerramentos, como a morte, apesar de não informar a causa. Assim, claro, não é possível afirmar que todos os óbitos no período foram relacionados à covid-19, mas o conceito de “excesso de mortes” com base neste banco de dados permite a comparação.

Profissionais de saúde, principalmente técnicos de enfermagem, professores, trabalhadores da construção civil e do setor de transporte também figuram entre as profissões que mais matam. Leia reportagem completa no El País.

Excesso de mortes

Além disso, os epidemiologistas utilizam esse conceito de “excesso de mortes” para avaliar o impacto de uma doença na sociedade. Assim, mesmo que uma pessoa não morra por causa da covid-19, ela pode ir a óbito devido a outras complicações devidas à doença, como a falta de leitos de UTI, por exemplo. Dessa forma, o procedimento usado para o levantamento calcula a média de mortes esperada para um dado período e compara esse dado ao total de mortes registradas por quaisquer causas na pandemia.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil registrou mais de 275.500 mortes por causas naturais além do “esperado” em 2020: um excesso de 22%. Os dados do Caged mostram que para os trabalhadores de atividades consideradas essenciais as taxas de excesso de mortes foram muito superiores à média da população. São as profissões que mais matam na pandemia

“São números fortes, principalmente considerando que o cadastro do Ministério do Trabalho só capta dados do mercado formal. Ou seja, não estão contabilizadas aqui as mortes de autônomos e microempresários individuais”, ressalta a reportagem do El País. “A análise mostra que a mortalidade foi mais alta nas atividades mais claramente essenciais, como comércio de víveres e transportes. Olhando os aumentos de maneira proporcional, as ocupações com os maiores aumentos de mortes são as que dependem de contato direto com o público e não pararam durante a pandemia.”

Sem escolha

Com a renda reduzida e sem auxílio emergencial, lembra a reportagem do El País, muitos trabalhadores ficaram emparedados: a dificuldade financeira sem trabalhar e o risco de morrer ao exercer suas atividades.  “Esses trabalhadores revoltados com a situação não precisavam estar nessa situação. Como é que se coloca uma pessoa numa escolha dessas?”, questiona o pesquisador Yuri Lima, do Laboratório do Futuro da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ele defende políticas de renda e crédito para manter as pessoas vivas sem precisar sair de casa e mais empregos garantidos para quando a situação melhorar, informa o El País. “O auxílio já é muito pouco para alimentar uma família, mas sem ele é inviável ficar em casa”, diz Lima. “Na comédia dos erros brasileira, Bolsonaro passou 13 meses insistindo no falso dilema entre salvar vidas e salvar a economia. Acabou prejudicando ambas”, finaliza a reportagem.