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Da ruína em Bangladesh à uberização brasileira, informalidade deixa de ser exceção no trabalho

Se a pandemia por um lado mostrou a importância do trabalho, por outro evidenciou distorções e desigualdades

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
A tragédia de Bangladesh, em 2013, e o crescimento dos trabalho por aplicativos: exploração em velhas e novas faces

São Paulo – Em abril de 2013, mais de 1.100 pessoas morreram em consequência do desabamento de um edifício em Daca, capital de Bangladesh. Ali funcionava uma infinidade de oficinas têxteis, com trabalhadores terceirizados. Foi “o maior acidente trabalhista da história”, diz o professor e pesquisador José Dari Krein, da Universidade Estadual de Campinas (Unicap). Um prédio que foi recebendo cada vez mais terceirizados e equipamentos, para fazer roupas de marcas.

Ele cita o caso para exemplificar uma situação extrema de exploração do trabalho. O professor fala ainda de um cálculo do sindicato global IndustriALL, pelo qual uma camiseta com custo de produção de 16 centavos de dólar chegava a ser vendida a € 29 na França. “Mas isso não acontece só em Bangladesh”, lembrando das oficinas têxteis em São Paulo. Ao afirmar que a luta de classes ainda não foi superada, Dari diz que este é um momento de “vingança do capital”, no sentido de “fragilizar o trabalhador para submetê-lo às regras do mercado”. Assim, trata-se o trabalho como mercadoria, procurando convencer as pessoas que elas, na verdade, é que são o problema.

O pesquisador participou na noite de ontem (11) de debate dentro da Semana da Economia da Unicamp, que este ano está sendo realizada de maneira remota, com transmissões pelo canal do Instituto de Economia no Youtube. Iniciado na segunda-feira, o evento vai até a próxima sexta (14). Confira a programação.

Resistência às mudanças

A outra participante foi a socióloga e pesquisadora Ludmilla Costhek Abílio, que tem se dedicado ao tema da chamada uberização, outro vetor da informalidade no trabalho, que se torna mais visível na pandemia. Ela destaca o recente movimento “histórico” dos entregadores de aplicativos, um sinal de resistência dentro da nova organização do trabalho.

Para a pesquisadora, está mudando a visão sobre o trabalho informal – que antes, grosso modo, era visto como exceção, algo residual. “Apesar do termo, a uberização não se inicia com a Uber e não é restrita às plataformas. Catalisa processos que estão no mundo do trabalho há décadas”, observa Ludmilla.

Praticamente tudo o que se consome está ligado a cadeias produtivas que, por vezes, se inicia no trabalho análogo à escravidão. Um processo que termina, não raro, em grandes marcas do varejo. No caso dos aplicativos, afirma, “você transfere para o trabalho informal, desprovido de direitos e garantia, parte de um gerenciamento”. Mas o trabalhador não tem, de fato, controle sobre sua atividade. “Essa mão invisível do mercado na verdade é a empresa. Ela que está definindo todas as regras do jogo”, diz a professora.

Pandemia mostra desigualdade

Para o professor Dari, a pandemia ajudou a mostrar como o trabalho segue sendo importante para a sociedade. Mas também “tende a exacerbar tendências que já estavam em curso”. Como a desigualdade. Em São Paulo, por exemplo, as mortes pela covid-19 se concentram em profissionais precários, os que usam transporte coletivo, os autônomos.

“Temos um problema estrutural, e a pandemia agrava esse processo”, afirma o professor. Se a taxa de desemprego não cresceu tanto recentemente (embora siga elevada), por outro lado muita gente deixou de compor a força de trabalho. Dari lembra que o nível de ocupação está menor que em 2012, “para mostrar um pouco a nossa tragédia”. E a ausência de emprego tende a se acentuar, acrescenta.

Ele identifica mudanças na composição dos ocupados. E aponta uma tendência de desassalarimento (referente a assalariados regulares), apesar do crescimento do trabalho com carteira no período 2004/2014. Existe uma polarização de ocupações, entre as de baixa qualificação e as de maior rendimento. Fenômeno que tem a ver, em parte, com a menor presença do emprego industrial e maior presença do setor de serviços.

Campo minado

“Impressionante como a agenda da reforma trabalhista é similar em muitos países: reduzir custos, desconstruir direitos, desconstrução de sistemas de proteção social, fragilizar as instituições públicas e os sindicatos”, acrescenta Dari. As soluções coletivas dão vez à chamada “meritocracia”. Para ele, isso “cria um campo minado para os sindicatos, (que foram) constituídos a partir da percepção de que há uma relação desigual”.

O que permitiu o crescimento do emprego foi um “pacto da sociedade”. Ou seja, não é só uma questão de tecnologia, mas de relações sociais. “Isso tem a ver com o modelo de desenvolvimento que nós queremos pelo país”, afirma, para lembrar que seria possível, tecnicamente, pensar em redução significativa da quantidade de horas trabalhadas e ampliação do período de lazer, por exemplo. Mas “o tempo da vida da gente é dominado pelo tempo econômico”.